Rio - Até a década de 90, estas aves ainda coloriam a região de caatinga da Bahia. Mas, em outubro do ano 2000, a última foi vista fazendo manobras no céu. Desde então, a ararinha-azul — aquela que inspirou o filme de animação ‘Rio’ — é considerada extinta na natureza. Atualmente há apenas 83, mantidas por cientistas em centros de estudos de quatro países. A luta agora é para que se reproduzam e possam repovoar o sertão baiano. Este mês, experiência inédita no mundo fez o sonho levantar voo: dois filhotes nasceram através de inseminação artificial.
O feito foi da Al Wabra Wildlife Preservation (AWWP), que fica no Catar, país do Oriente Médio. A técnica promete dar uma ‘força’ para o aumento populacional da espécie, já que a reprodução natural em cativeiro é complicada por motivos... românticos. Sim, as ararinhas-azuis da vida real são como o casal Blu e Jade, de ‘Rio’: não namoram ‘qualquer um’.
“Elas precisam se apaixonar para ter sucesso reprodutivo”, explica o biólogo Ugo Vercillo, coordenador de Espécies Ameaçadas do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, que tem parceria com a AWWP. “Há 5 anos, a inseminação artificial para a ararinha-azul era algo impossível”, conta Vercillo, para quem o sucesso da empreitada “nos deixa mais perto de reintroduzir a espécie na natureza”. A AWWP realizou a experiência em conjunto com a Parrot Reproduction Consulting, da Alemanha.
O primeiro filhote foi batizado de Neumann, homenagem ao executor da inseminação artificial, o médico-veterinário Daniel Neumann, da instituição alemã. “Ainda garoto, acompanhei o desaparecimento da última ararinha-azul na natureza e era meu sonho estar envolvido com a conservação desta espécie. Agora realizei a primeira inseminação com sucesso. Ainda é difícil entender, mas isto me faz bem”, afirmou.
Agora é torcer para que as ararinhas voltem à natureza logo. Enquanto isso, Blu e Jade retornam às telonas em março, em ‘Rio 2’, com três filhotinhos.
Tráfico fez as aves sumirem
Durante mais de um século, as ararinhas-azuis foram alvo da cobiça de colecionadores de aves, que financiavam a ação de criminosos incumbidos de capturá-las e vendê-las, no Brasil e no exterior. Ugo Vercillo, coordenador de Espécies Ameaçadas do ICMBio, é taxativo: “O tráfico é a causa do desaparecimento desta espécie da natureza.”
Por isso, diz o especialista, antes da volta das ararinhas a seu habitat, é necessário amplo trabalho de educação ambiental com seu principal predador: o ser humano. “É preciso preparar as pessoas para conviver com a espécie, evitando o tráfico.” O trabalho de campo — de recuperação e educação ambiental —, explica Vercillo, é feito pelo Projeto Ararinha na Natureza, outro parceiro do ICMBio. As ações se concentram na caatinga brasileira, em especial no município de Curaçá, na Bahia.
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Perto desta mesma cidade, a AWWP, organização ambiental do Catar que realizou a inseminação artificial, tem uma área de 2.380 hectares, em que pretende reintroduzir as ararinhas-azuis.
Experiência será feita no Brasil, diz diretor da AWWP
O diretor da AWWP, Tim Bouts, afirma que a organização do Catar vai realizar a experiência da reprodução da ararinha-azul no Brasil, em breve. “Precisamos começar a reproduzir estas aves em seu país de origem o quanto antes”, destacou. O coordenador do trabalho com as ararinhas-azuis da AWWP, Cromwell Purchase, disse que, com a técnica da inseminação artificial, será possível usar diferentes machos e fêmeas “para fazer as melhores combinações genéticas possíveis”.
A AWWP tem atualmente 64 das 83 ararinhas-azuis em cativeiro no mundo. “Queremos mandar alguns pássaros do Catar para o Brasil”, diz Bouts. A instituição também maneja dez dos onze exemplares que estão na Nest, em São Paulo, juntamente com o governo brasileiro.
Coordenado pelo ICMBio, o Plano de Ação Nacional para Conservação da Ararinha-Azul tem como parceiros: AWWP, ACTP, Fundação Lymington, Nest, Parrots International, Parque das Aves, Universidade de São Paulo, SAVE Brasil, Funbio e Vale.
Espécie de pica-pau está perdendo seu habitat
O pica-pau-do-parnaíba, pede socorro. A espécie, nativa do cerrado, chegou a ficar 80 anos sem ser vista na natureza, até que reapareceu em 2006, no Tocantins. Mas, de acordo com o pesquisador Renato Pinheiro, da Fundação Grupo Boticário, precisa entrar na lista de espécies ameaçadas de extinção. Segundo ele, a ave, para sobreviver, tem necessidade de grande área conservada. “Além disso, depende de um bambu chamado taboca, pois se alimenta de formigas que fazem seus ninhos nas hastes ocas da planta.”
Só restam, porém, 20% da cobertura original do bioma. Por isso, o pesquisador sugere a criação de unidades de conservação do cerrado. Em Goiás, a Fundação Grupo Boticário administra a Reserva Natural Serra do Tombador, uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN).
A reprodução por inseminação artificial
. Fêmea fez a postura do seu 1º ovo. A espécie costuma pôr 4 ovos por vez.
. Pesquisadores coletaram espermatozoides de machos selecionados
. O material foi imediatamente depositado no oviduto da fêmea, para que o próximo ovo fosse fertilizado antes que a casca se formasse.
. Processo foi repetido após a 2ª e a 3ª postura de ovos.
. Ovos foram colocados numa incubadora.
. Após 7 dias, foram examinados para verificação da fertilidade. Dos 7, 2 ovos inseminados artificialmente estavam férteis e se desenvolviam bem.
. Os ovos foram monitorados diariamente, até que, no 26º dia de incubação, os 2 filhotes nasceram.