Por thiago.antunes

Rio - Duas décadas se passaram desde que o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, lançou a ONG Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida. A iniciativa foi responsável por colocar o combate à pobreza e a noção de cidadania em discussão, além de cobrar dos governos providências efetivas. Para contar aos jovens como essa trajetória se confunde com a História do Brasil, será lançado na próxima quinta-feira o livro ‘Ação da Cidadania 20 anos’.

Ao abrir a obra – idealizada por Daniel Souza, filho de Betinho, e escrita por Ana Redig e Nádia Rebouças —, o leitor encontra imagens e relatos que mostram frutos deixados pela organização. A escolha de cada foto e cada depoimento foi um trabalho árduo, mas imprescindível para construir a narrativa do que foi a Ação. De acordo com Daniel, que leva a organização adiante hoje, tudo foi feito para os mais jovens, que não vivenciaram as transformações políticas e sociais recentes do país.

Betinho%2C idealizador da Ação%2C mudou a forma de se pensar várias questões no paísDivulgação

“O projeto gráfico e o texto foram pensados para esse público. Por isso a obra começa resgatando fatos políticos que desencadearam o movimento: a ditadura militar, a lei da Anistia, a redemocratização e o impeachment do Collor,” diz. Liderado por Betinho, o Movimento pela Ética na Política, embrião da Ação da Cidadania, se articulou na década de 90, depois de denúncias de corrupção envolvendo Fernando Collor de Mello, primeiro presidente eleito por voto direto após décadas.

“A sociedade estava mobilizada. Esse período foi usado para começar um movimento de combate à fome”, conta Daniel. Em 1993, quando o Brasil tinha 32 milhões de cidadãos abaixo da linha da pobreza, a organização foi criada e começou a crescer. Doações de alimentos se multiplicavam graças aos comitês — grupos organizados de forma autônoma. O conhecido Fome Zero e os mutirões nas épocas de enchente ajudaram milhões de pessoas.

Mesa com quase 1 km de extensão%2C no Aterro do Flamengo%3A um dos símbolos do Natal Sem FomeDivulgação

O alcance foi tamanho que o combate à fome virou política pública a partir de 2002, com o Fome Zero e o Bolsa Família. A partir daí, a ONG precisou se reinventar. “É através da cultura que um país muda”: a frase de Betinho, que aparece no fim do livro, traduz a nova fase, de lutar contra outras ‘fomes’. “Temos projetos ligados a música, teatro e inclusão digital, além de manter antigos trabalhos”, afirma Daniel. Há 756 comitês em 15 estados, atendendo a um milhão de pessoas.

Emprego e terra em pauta

No fim do primeiro ano de existência, 68% dos brasileiros já sabiam que a campanha existia, segundo o Ibope. Publicitária e uma das autoras do livro, Nádia Rebouças acredita que as estratégias criativas de comunicação foram um dos pilares para que a ONG alcançasse tantas pessoas, empresas e instituições. A campanha contra a fome foi a primeira. Depois, foi idealizada a do trabalho.

“Achei que ele estava louco. ‘Como as pessoas vão conseguir gerar empregos?’, todos se perguntaram. Mas ele estava certo. Depois de pouco tempo, cooperativas de artesanato, por exemplo, foram surgindo,” conta ela. A reforma agrária também foi tema de campanha. Alguns veículos de comunicação recuaram. “Essa questão mexia com o capital, com interesses poderosos. É fácil ser contra a fome, mas apoiar reformas é outra história,” destaca Daniel.

Empresários chamados ao trabalho

Herbert de Souza foi o primeiro responsável no Brasil por disseminar a ideia de que cada um deve fazer a sua parte — seja cidadão, empresa ou governo. Segundo a publicitária Nádia Rebouças, uma das autoras do livro, o fato de Betinho ter “colocado as empresas na roda”, pressionando os empresários para tomarem atitudes de responsabilidade social, foi uma iniciativa inédita no país do visionário sociólogo. Numa das peças publicitárias da época, a imagem de um avestruz com a cabeça enfiada num buraco e a frase: “Empresário, onde é que o sr. está quando o país precisa?”.

O lançamento do livro é dia 25, quinta-feira, às 18h, na Livraria da Travessa da Rua Voluntários da Pátria 97, Botafogo.

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