Por adriano.araujo, adriano.araujo
Rio - Responsável pelo anúncio do resultado das pesquisas sobre o vírus zika ativo em saliva e urina, o presidente do Instituto Oswaldo Cruz, Paulo Gadelha, vê na preocupação mundial com a doença um fenômeno decisivo no combate ao Aedes aegypti, que há tanto tempo castiga o Brasil com a dengue.
Na avaliação de Gadelha, a ciência “está diante de um dos maiores enigmas da humanidade”: estabelecer a relação real entre o zika vírus e os casos crescentes de má-formação de cérebros. O Ministério da Saúde confirmou mais de 400 casos de microcefalia e\ou alterações do sistema nervoso central. Dezessete deles estão comprovadamente relacionados ao agente.
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O ministério e as secretarias de Saúde de vários estados brasileiros ainda investigam 3.670 casos suspeitos de zika, o que representa 76,7% das notificações. Setenta e seis mortes foram registradas após o parto ou durante a gestação, sendo 15 com a identificação do vírus no tecido fetal.
Prudente, Gadelha não acredita em vacina contra o vírus com menos de cinco anos de pesquisas. Para ele, em vez de esperar o impossível, o que todos devem fazer é intensificar o combate ao transmissor, o Aedes aegypti.
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O DIA – Como estão as pesquisas em torno do zika na Fiocruz?
PAULO GADELHA - Hoje é nossa prioridade absoluta. Só para se ter uma ideia, pelo menos 1,2 mil pessoas, altamente capacitadas, entre pensadores com doutorados, técnicos, médicos, cientistas, pesquisadores e outros profissionais, formam uma tropa de choque que desenvolve estudos diariamente. Representa 10% do quadro da fundação em 11 estados, sobretudo no Rio de Janeiro. Nossa descoberta recente faz parte dos 115 anos de dedicação da Fiocruz à saúde pública.

A Colômbia anunciou que no país existem 3.177 grávidas com zika, mas nenhuma como histórico de microcefalia. Em São Paulo, dois casos de possível relação foram descartados também. Isso não é um forte indício de que o vírus não estaria ligado diretamente a casos de microcefalia em massa?

São dados importantes, sem dúvida, mas que precisam de mais pesquisas. Porque, em contrapartida, há, ao mesmo tempo, novos estudos que demonstram a caracterização completa do vírus em cérebros de fetos analisados com microcefalia. Então, no momento, a comunidade científica está diante de um enigma. Todas essas questões e evidências terão que ser juntadas para que se possa formar um mosaico definitivo mais adiante.

Presidente da Fiocruz%2C Paulo Gadelha%2C diz que todas as evidências da ligação entre Zika e microcefalia devem formar 'mosaico definitivo'Peter Ilicciev / AgNews

Os cientistas ainda estão tentando achar o fio da meada nas pesquisas. A imprensa não tem se precipitado em divulgar informações desencontradas, causando pânico?

À medida em que vamos tendo produção científica com solidez, ela tem que ser divulgada para a população, conforme recomendação científica mundial. Isso é importante, sobretudo, para desencadear ações de prevenção mais eficazes e conjuntas, fortalecendo o combate ao Aedes, o que já deveria ter sido feito há um bom tempo. Mas as notícias têm que ser com base em dados científicos concretos, para não alarmar. Todas as descobertas têm que ser compartilhadas imediatamente, primeiro com a comunidade médica, e em seguida com a população. Na época da ditadura, mantiveram a imprensa mal informada por um longo tempo sobre uma epidemia significativa de meningite, contribuindo para o não desencadeamento de ações preventivas, piorando ainda mais a situação.

A partir do dia 8 de dezembro, todos os casos notificados de microcefalia passaram a levar em conta o novo protocolo do Ministério da Saúde, que aponta que a suspeita de microcefalia será dada a bebês que nasçam com a circunferência craniana igual ou menor do que 32 centímetros. Antes, já havia a suspeita de microcefalia quando crianças nasciam com o crânio igual ou inferior a 33 centímetros. A notificação de casos suspeitos, que passou a ser obrigatória, contribui para o aumento das estatísticas? Isso talvez não apavore a população?

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A partir do momento da declaração de emergência sanitária (primeiro em nível nacional, pelo Ministério da Saúde, e no último dia 1º, pela Organização Mundial da Saúde, que tornaram notificações obrigatórias), os epidemiologistas redobraram suas atenções para o assunto. Isso é importantíssimo para a busca de parcerias e soluções conjuntas em todo o mundo. Quando se chama a atenção para determinado problema, pode haver aumento de notificações, sim. Porque as autoridades em saúde e as pessoas, de um modo geral, vão estar mais atentas e, consequentemente, mais casos serão identificados, desencadeando a busca de respostas conjuntas.
A vacina contra a zika é muito aguardada. Em quanto tempo haverá imunização disponível?
'Notícias sobre zika têm que ser com base em dados científicos concretos%2C para não alarmar'%2C diz presidente da FiocruzPeter Ilicciev / AgNews

De um modo geral as questões ligadas ao conhecimento sobre o zika precisam ser mais aprofundadas. Então, prometer uma vacina num tempo muito curto é uma promessa dificilmente realizável. Todas as áreas que trabalham nesse setor mostram que se pode ter uma vacina que chegue a uma fase clínica rapidamente, mas um tempo razoável para se obter bons resultados é em torno de cinco anos. Seria excepcional ter resultado antes de cinco anos com pesquisas clínicas. No momento, é imprescindível o esforço de todos para acabar com reservatórios onde o mosquito Aedes aegypti possa se reproduzir. É fundamental que a vigilância ao vetor permaneça. Não podemos esquecer que ele é comprovadamente o vetor para os vírus dengue, chikungunya e zika.

Fale sobre a descoberta do vírus ativo na urina, na saliva e leite materno.

O zika é um Flavivírus, que pertence à família de virosos que infectam artrópodes (como insetos) e mamíferos. O que os pesquisadores da Fiocruz detectaram foi a presença de vírus ativo, com potencial de infecção na saliva e na urina. Essa evidência inédita sugere a necessidade de se investigar a relevância destas vias alternativas de transmissão viral. Ainda não sabemos se o vírus que está ali se replicando na saliva, consegue atravessar a barreira da mucosa, por exemplo. Se consegue atravessar a barreira do suco gástrico. Por quanto tempo ele sobrevive na urina e na saliva... Os flavivírus não têm históricos de se reproduzirem em vias aéreas. Então, há muita coisa para ser estudada. Não há implicação imediata de que isso significa. Mas o fato de se replicar na saliva, ou na urina, ou leite materno, significa que ele seja competente para ser uma via de disseminação para outras pessoas. No suor não existe nem evidências ainda da presença do vírus ativo nesse sentido.

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Nesse momento em que pesquisas ainda estão em curso, sem respostas definitivas, qual é o melhor caminho para o cidadão?
Se o vírus se replica, embora, teoricamente, é muito pouco provável, que ele possa ter um efeito de transmissão significativa ou mesmo real, o melhor caminho é o da precaução. Se você tem uma gestante, cujo possível consequência de uma infecção por zika, possa ser de uma gravidade tremenda, como é a questão dos possíveis danos ligados a microcefalia, essa pessoa, por uma questão de cautela, deve ter o cuidado de não compartilhar copos, talheres, e evitar situações, como contatos face a face, beijos, com pessoas que possam estar contaminadas com zika. Essa é uma recomendação do Ministério da Saúde. Se justifica, não porque há qualquer comprovação ou previsão de que transmissão por saliva venha ser real ou significativa, epideologicamente. É mais por um cuidado adicional.
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Há muitos boatos, em cima de dados infundados, sobre o assunto. O que fazer diante disso?
O mais correto a fazer é confiar em informações de fontes seguras, como as divulgadas na Agência Fiocruz de Notícias (www.agencia.fiocruz.br).