Por rafael.souza

Brasília - A quinta-feira começou com a certeza de que uma bomba caíra sobre Brasília e terminou com a impressão de que a crise política nunca esteve tão grave. No início da manhã, a revista ‘IstoÉ’ publicou reportagem com trechos de um documento de 400 páginas com suposto pedido de delação premiada realizado pelo senador Delcídio do Amaral (PT-MS).

Político do Mato Grosso do Sul e ex-diretor da Petrobras, Delcídio liderou o governo Dilma no Senado até 25 de novembro, quando foi preso, acusado de tentar atrapalhar as investigações da Operação Lava Jato. Em 19 de fevereiro, o parlamentar saiu da cadeia, mas segue na mira dos investigadores e tenta negociar uma delação premiada para reduzir sua pena.

Senador Delcidio Amaral (sem partido-MS) Marcos Oliveira/Agência Senado

Ainda no final da manhã, o próprio Delcídio negou a reportagem e disse não reconhecer o documento publicado. “Nem o senador Delcídio, nem a sua defesa confirmam o conteúdo da matéria”, afirma o texto.

Na reportagem da ‘IstoÉ’, o senador centra suas acusações contra o ex-presidente Lula e a presidente Dilma Roussef. O parlamentar diz que, por três vezes, Dilma usou sua influência para tentar evitar a punição de empreiteiros e estancar a sangria política provocada pela Lava Jato. O principal aliado do governo nessa empreitada seria, segundo Amaral, o ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.
“É indiscutível e inegável a movimentação sistemática do ministro José Eduardo Cardozo, e da própria presidente Dilma no sentido de tentar promover a soltura de réus presos”, afirmou o senador, segundo a revista.

A reação do governo foi rápida. Na hora do almoço,Dilma convocou uma reunião de emergência com seus dois principais aliados — José Eduardo Cardozo, agora nomeado advogado-geral da União e Jaques Wagner, ministro da Casa Civil. Os dois saíram do encontro disparando contra o ex-líder do governo (leia mais no boxe abaixo). “Isso não contribui para a democracia”, atacou Wagner. “A presidente está indignada e considera uma irresponsabilidade esse vazamento de informações.”

Segundo a revista, Dilma tinha conhecimento das irregularidades envolvendo a compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos. O negócio provocou prejuízo bilionário: “Dilma Rousseff, como então presidente do Conselho de Administração da Petrobras, tinha pleno conhecimento de todo o processo de aquisição da Refinaria”, disse o senador, segundo a revista.

A presidente Dilma nega. Em nota, ela rebate a informação e destaca que a compra da refinaria foi realizada pelo diretor internacional da empresa (na época), Nestor Cerveró (preso pela Lava Jato), e teve como objetivo “expandir os negócios nos EUA, em alinhamento com os objetivos fixados no Planejamento da Petrobras 2005-2015”.

MINISTRO CARDOZO REBATE ACUSAÇÕES

POR VINGANÇA

O ex-ministro da Justiça e atual advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, fez uma forte crítica ao conteúdo da suposta delação premiada do ex-líder do governo no Senado, Delcídio do Amaral.
Cardozo acusa o senador de ter mentido e construído sua suposta delação “por vingança contra o PT e para sair da prisão. Trata-se de um conjunto de mentiras”, disse.

O novo advogado-geral da União frisou ainda que o texto do documento foi uma ação de retaliação. “Delcídio, se é que fez a delação, é porque queria ter saído da prisão. Delcídio estava inconformado por ter sido preso e pelo governo não ter agido para tirá-lo da prisão”, destacou. “Parece que ele quer dividir o ônus do que fez”, completou.

O ex-ministro tentou desmentir uma a uma as acusações feitas pelo senador. Negou qualquer interferência na nomeação de Marcelo Navarro, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em troca da liberdade de presos. “Se governo tivesse negociado para nomear, as pessoas já estariam soltas”.

NOMEAÇÃO NO STJ

Delcídio diz que “a nomeação seria relevante para o governo”, pois o nomeado cuidaria dos “habeas corpus dos presos da Lava Jato no STJ”. Entre os beneficiados estaria o empreiteiro Marcelo Odebrecht, principal preso na operação.

Marcelo Navarro, de fato, votou pela soltura do empresário, mas acabou derrotado por 4 a 1 pelos demais ministros. “Na análise do habeas corpus, três dos cinco ministros foram nomeados pelo governo e dois votaram contra o habeas corpus. Por que iríamos negociar apenas com um magistrado, já que outros também foram nomeados por esse governo? Isso não para em pé”, afirmou.

Cardozo garantiu também que a presidente Dilma nunca tratou do assunto com ex-líder do PT no Senado. “Dilma nunca se reuniu com Delcídio para discutir indicação do STJ. Sempre estive presente nas reuniões da presidente para tratar de temas relacionados com a Justiça”, insistiu ele.

O ex-ministro confirmou que Delcídio ia com frequência ao seu gabinete no Ministério da Justiça e que estranhava a insistência do parlamentar em reclamar da Lava Jato. “Ele vinha quase diariamente tratar de vários assuntos. Dizia para eu tomar providências sobre a Lava Jato e que réus estariam sendo pressionados a fazerem delação. Ele dizia: ‘Tem que falar com o Janot, com Teori'. E eu respondia:

‘Delcídio, representa (oficialmente), meu filho'. Depois eu vi que ele estava é defendendo sua sobrevivência”, acusou Cardozo.

CPI DOS BINGOS

O ex-ministro rebateu também o trecho da matéria da revista IstoÉ em que Delcídio acusa a CPI dos Bingos de ter sido encerrada para proteger a então ministra da Casa Civil do governo Lula, Dilma Roussef.
“A CPI vai de julho de 2005 a junho de 2006. A presidente havia assumido há cerca de uma semana a Casa Civil. Tem lógica intervir para beneficiar a presidente Dilma, que havia assumido a Casa Civil há uma semana?”, indagou.

Oposição pede renúncia de Dilma

O senador Aécio Neves (MG), presidente do PSDB, candidato derrotado nas últimas eleições presidenciais, pediu a renúncia da presidente Dilma Rousseff em discurso no plenário do Senado na tarde de quinta-feira, depois de ler a reportagem da revista ‘IstoÉ’. “Será que não está no momento de a presidente, em um gesto de grandeza, pensando não no seu partido mas no seu País, renunciar ao mandato de presidente da República”, indagou.

Ao final da reunião, Aécio disse que, se confirmadas as informações delatadas por Delcídio, ficará configurado que o país vive o momento mais grave de “toda crise moral” que se arrasta nos últimos meses.
Aécio Neves (MG) anunciou que a oposição vai pedir um aditamento das informações da delação premiada de Delcídio ao pedido de impeachment de Dilma. Os líderes de oposição cogitam pedir um novo processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff.


Dilma reage aos ataques do senador

Sem citar o nome do ex-líder do governo e senador Delcídio Amaral (PT-MS), a presidente Dilma divulgou nota criticando o vazamento de suposta delação premiada. “Esses expedientes não contribuem para a estabilidade do país. Repudiamos o uso abusivo de vazamentos como arma política”, afirmou.

“Se há delação premiada homologada e devidamente autorizada, é justo e legítimo que seu teor seja do conhecimento da sociedade”, diz no texto, ressaltando que, para isso, é necessária a autorização do Judiciário.

O pedido de delação premiada de Delcídio ainda não foi homologado pela Justiça e, por isso, explicam os especialistas em Direito, a insistência da defesa do senador em negar a reportagem. Pela lei, os textos das delações são sigilosos até que a Justiça aceite o pedido do delator. O mesmo raciocínio vale para o silêncio do Ministério Público Federal e do Supremo Tribunal Federal. Eles só podem se pronunciar sobre o assunto quando a delação for oficializada.

Com reportagem do Estadão

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