Por tiago.frederico

Rio - Em defesa de Deus, em defesa do meu estado, em defesa do meu pai, dos meus filhos, do meu neto... Foram essas as expressões mais faladas pelos 367 deputados que, abraçados em bandeiras e lenços verde e amarelos, empurraram a presidente Dilma para o precipício político. O placar surpreendeu e humilhou o governo.

Nem as mais pessimistas previsões do ex-presidente Lula consideravam que, após 13 anos de governos do PT, o prestígio petista pudesse se resumir aos 137 votos contrários ao impeachment obtidos nas seis horas de votação na Câmara.

O grande vitorioso do dia foi o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Articulador número 1 da tramitação do processo de afastamento de Dilma, Cunha escutou com impressionante serenidade um turbilhão de xingamentos durante toda a sessão.

“Você é um gângster. O que dá sustentação à sua cadeira cheira a enxofre”, atacou o deputado Glauber Vieira (Psol-RJ). “O senhor é o chefe da corrupção. Não se iluda, o senhor será cassado” , emendou deputado Wadih Damous (PT-RJ). “Eu não acho legítimo que um suspeito, que um réu no Supremo Tribunal, conduza esse processo”, afirmou Júlio Delgado (PSB-MG) que, mesmo criticando Cunha, optou pelo afastamento de Dilma.

Sem se abalar, Cunha, de terno cinza, com pequenas listras chamadas no mundo da moda de risca de giz, desceu de sua poltrona na mesa da Câmara, se postou na frente do microfone e anunciou seu voto. “Que Deus tenha misericórdia desse país”, declarou o presidente da Casa, agora muito perto de substituir Michel Temer na presidência do Brasil.

Em clima de festa%2C deputados da oposição aprovam impeachmentAgência Brasil

SHOW DE HORRORES

Os discursos em tom de show de horrores, com os mais inusitados agradecimentos, surpreenderam os milhões de telespectadores que passaram o domingo vendo a História na TV ou acompanhando a votação em manifestações pacíficas em todo o país. Deus foi o nome mais invocado na Câmara. Teve parlamentar que agradeceu à tia. Outro disse “obrigado” à maçonaria. Apareceu político até inventando palavras. “Voto contra a vagabundização remunerada do PT”, inovou Alceu Moreira (PMDB-RS). Teve até quem desse vivas à ditadura, caso do polêmico Jair Bolsonaro (PP-RJ). Bolsonaro, aliás, foi um dos poucos a elogiar Eduardo Cunha.
“Nunca o nome de Deus foi tão pronunciado em vão”, contabilizou o deputado Luiz Sérgio (PT-RS). “Muitos aludem à família, mas ninguém trata dos crimes que a presidente não cometeu”, completou Margarida Salomão (PT-MG).

LEIA MAIS:

Dilma convoca reunião com ministros e parlamentares no Alvorada

Movimentos sociais já se organizam para pressionar Senado para acelerar processo

Líder do PT reconhece 'derrota momentânea' e fala em 'guerra prolongada'

Grupo de senadores propõe eleições antecipadas

Impeachment de Dilma ainda precisa passar pelo Senado; saiba como vai funcionar

Wagner chama prosseguimento de impeachment de retrocesso


BRIGA NO SALÃO

Nem só os discursos na tribuna pareciam pouco apropriados à gravidade do momento histórico. O comportamento dos políticos nos bastidores passou longe do decoro. Pouco antes do começo da sessão, parlamentares quase foram às vias de fato no solene e acarpetado Salão Verde da Câmara.

“Se aqui chegarmos às vias de fatos, como vamos pedir que a população faça uma manifestação pacífica?”, perguntou Orlando Silva (PC do B-SP), vice-líder do governo. “Eles começaram a provocar”, rebateu Domingos Sávio (PSDB-MG).

RISO DE TEMER

Pouco antes das 20h, o governo reconheceu a derrota. “Perdemos porque os golpistas foram mais fortes, comandados por Cunha”, admitiu o líder do governo, José Guimarães (PT-CE), após os paulistas Paulo Maluf (PP) e Tiririca (PR) declararem voto contra Dilma.

“Foi com indignação e tristeza que recebemos a notícia”, lamentou o advogado-geral da União, Eduardo Cardozo. pouco depois do resultado final. Dilma acompanhou a votação ao lado de Lula no Alvorada.

Perto dali, um risonho Michel Temer deixava divulgar sua foto, feliz da vida, na sala de casa, contando os votos que, minuto a minuto, o aproximavam da cadeira presidencial. Às 23h07, Bruno Araújo (PSDB-PE) recebeu as palmas e os louros por ser 342º a dizer sim ao impeachment e, assim, ser o responsável pelo empurrão definitivo na presidente Dilma.

Com bandeiras do Brasil%2C defensores do Impeachment comemoram a vitória na praia de Copacabana. Em Brasília%2C apoiadora da presidente que acompanhou votação choraAlexandre Brum e Agência Brasil

HISTÓRICO

Antes de chegar ao plenário, na Comissão Especial do Impeachment, o relatório de Arantes pela admissibilidade do processo foi aprovado com placar de 38 votos favoráveis e 27 contrários. O pedido de impeachment, assinado pelos juristas Miguel Reale Jr., Janaína Paschoal e Hélio Bicudo, foi recebido por Cunha em dezembro de 2015. 

O pedido teve como base o argumento de que Dilma cometeu crime de responsabilidade por causa do atraso nos repasses a bancos públicos para o pagamento de benefícios sociais, que ficaram conhecidos como pedaladas fiscais. Os autores do pedido também citaram a abertura de créditos suplementares ao Orçamento sem autorização do Congresso Nacional como motivo para o afastamento da presidenta.

COLLOR

Na votação do impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, em 1992, estiveram presentes 480 dos 503 deputados que compunham a Câmara na época. O placar na ocasião foi de 441 votos favoráveis ao impeachment, 38 contrários. Houve 23 ausências e uma abstenção.

Reportagem de Ana Beatriz Magno

Você pode gostar