Rio - Caso o impeachment da presidente Dilma Rousseff aconteça hoje, a Lava Jato pode virar um pingo d’água. A tese de que a maior operação de combate à corrupção — com 155 mandados de prisão e mais de 50 políticos investigados — vai para o ralo depois de fazer um estrago no PT é defendida por governistas como o presidente do partido, Rui Falcão. Ele sustenta que o vice-presidente Michel Temer (PMDB) tem um acordo com o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), já transformado em réu no processo, para minar as investigações.
Para Falcão, abafar a Lava Jato está entre “os motivos sinistros” para derrubar Dilma. O discurso é endossado pela deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ). “O acordo com Temer é para salvar o Eduardo Cunha”, acusa. O polêmico discurso que Temer ensaiou para a posse como presidente — e vazou para a internet — tratava dos mais diversos problemas nacionais, menos um: a corrupção. O fato reforçou a tese dos governistas de que o vice-presidente não dará força a operações como a de Sérgio Moro.
Os procuradores da República Deltan Dallagnol e Carlos Fernando dos Santos Lima, que atuam na Lava Jato, reagiram aos argumentos dos governistas. Dallagnol afirma que o Ministério Público Federal é uma instituição de Estado, fora do alcance do governo. “As investigações da Lava Jato são um caso de polícia, e não de política”, diz. “A operação acumula inimigos à medida em que o rol de investigados aumenta. Eles continuarão tentando minar as investigações, de modo ostensivo ou sorrateiro, qualquer que seja o governo. A nossa defesa é a sociedade”.
Lima também tenta separar os esforços no combate à corrupção da guerra política entre Dilma e Temer. Para ele, seja qual for a solução política para o país, não haverá influência sobre as investigações. O procurador ressalta que o Ministério Público Federal espera a aprovação no Congresso Nacional das dez medidas de combate à corrupção. Entre elas estão a criminalização do enriquecimento ilícito e do caixa 2, o aumento das penas para corrupção de altos valores e a responsabilização dos partidos. Para sustentar o projeto, o órgão conseguiu 1,5 milhão de assinaturas.
No bloco contra o governo, o deputado federal Miro Teixeira (Rede-RJ) alega que os petistas não querem pagar o preço de seu envolvimento em tramóias. “O PT tem que arcar com a conta da própria corrupção. Por mim, todos deveriam ser presos e o Cunha já deveria ter renunciado há muito tempo”, dispara. O parlamentar aposta ainda na independência do Judiciário e do MPF. “Ninguém manda no juiz. Ninguém manda no procurador”, afirma.
Jurista aponta seletividade nas investigações
O tempo será o senhor do destino da Lava Jato. É o que aponta Michael Mohallem, professor de Direito da FGV do Rio. Ele avalia que o discurso de Temer sem falar de combate à corrupção e o anúncio do juiz Sérgio Moro de que a operação será concluída até dezembro não representam ainda abalos às investigações. “Numa conjuntura política como a atual é natural questionar os rumos da investigação”, explica.
O jurista, no entanto, não deixa de identificar a seletividade durante as apurações da operação. Entre os exemplos ele destaca a falta de profundidade no caso Furnas. O caso voltou à baila no depoimento do delator Fernando Moura, que citou o senador Aécio Neves (PSDB) como responsável pela indicação de diretores da empresa. Porém, o esqueleto tucano foi enterrado pelos órgãos de investigação da Operação Lava Jato: a lista de Furnas.
“Há fragilidade em investigações e seletividade, sim. Mas é difícil prever ainda o que vai acontecer”, ressalta. Mas faz questão de lembrar que o anúncio de Moro sobre o prazo de validade destoa das premissas da operação. “Se a Lava Jato foi marcada pela imprevisibilidade, como pode estar perto do fim?”, questiona Mohallem. Ele acrescenta que, em eventual governo de Michel Temer, é preciso ficar atento à nomeação do ministro da Justiça para saber também como atuará a Polícia Federal. “Quando o atual governo, via Ministério da Justiça, ameaçou tolher a Polícia Federal houve grande reação”, lembra.
Para o vereador Cesar Maia (DEM), o grito dos petistas contra o impeachment e a Lava Jato é choradeira . Ele diz acreditar que, em caso de queda de Dilma, as apurações contra outros políticos ganharão força. “As investigações serão aprofundadas. O Poder Judiciário é independente”, argumenta, sustentando que é impossível haver retrocesso no combate à corrupção.
Propinas somam R$ 6,2 bi
Em curso há mais de dois anos, as investigações da Lava Jato já atingiram 28 fases. Só em propinas pagas, os patamares chegam a R$ 6,2 bilhões. Os prejuízos foram estimados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em até R$ 29 bilhões, e pelos peritos da Polícia Federal em até R$ 42 bilhões.
Tudo começou com a identificação de lavagem de dinheiro realizada por uma rede de postos de combustíveis. Ligados a esse esquema, políticos, empresários e empresas de grande expressão econômica, que contribuíram para minar os cofres da maior estatal brasileira, a Petrobras.
O Ministério Público Federal propôs também 37 ações penais contra 179 pessoas e seis ações de improbidade contra 49 pessoas, sendo 33 físicas e 16 jurídicas. São 93 condenações criminais, incluindo casos de réus que foram condenados mais de uma vez. As penas, somadas, chegam a 990 anos e sete meses de prisão. Mais de 50 políticos são investigados.