Rio - O espírito de Odorico Paraguaçu, o folclórico personagem político criado por Dias Gomes e eternizado por Paulo Gracindo na novela “O Bem Amado”, permanece vivo no Congresso Nacional. A “confabulância político-sigilista” que aprovou a abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff e deixou os parlamentares oposicionistas “com a alma lavada e enxugada”, despertou em boa parte do eleitorado brasileiro a sensação de que a crise vai muito além da questão econômica.
“A postura dos deputados foi vergonhosa”, afirmou ao DIA a estudante Karina Garbin, 37 anos. “Parecia o programa da Xuxa. Citaram a mãe, o pai, a tia, o bichinho de estimação, mas em nenhum momento falaram pelos eleitores”, reclamou Karina, ressaltando que mais do que política e econômica a crise é de representação.
O comportamento grotesco dos parlamentares durante a sessão histórica, que foi transmitida ao vivo pela TV, chegou a arrancar gargalhadas dos telespectadores, mas deixou apreensivos e desanimados até os que torcem pela queda da presidente Dilma. “Os parlamentares não tiveram um comportamento digno, condizente com a seriedade do tema”, reclamou a assistente administrativa Ruth Targino, 22 anos.
Segundo ela, a votação foi “meio bagunçada e o que impressiona é que os deputados falavam que votavam pelos parentes, mas não apresentaram os motivos dos seus votos”. Ruth disse que Dilma deve sair, mas que teme pelas alternativas de poder que estão se apresentando.
Outro que se confessa preocupado com o futuro é o babalorixá Roberval Uzêda, que afirma ter previsto as dificuldades que a presidente enfrentaria em seu segundo mandato. “Alertei à Dilma sobre o Eduardo Cunha (presidente da Câmara)”, garantiu Uzêda. Ele disse que é favorável a uma renovação política. “Nem Temer, nem Dilma. Precisamos é de uma nova geração de políticos comprometidos com o fim da corrupção”, defende.
Já o músico e compositor Roberto Maranhão, 63 anos, não viu nada que pudesse macular a sessão que aprovou a abertura do impeachment. “Lá no Congresso é assim mesmo. O importante é salvar o país dessa catástrofe que é o PT ”, afirmou Maranhão. O advogado Marco Loja, 62 anos, é outro que torce por mudanças. Ele alega que ao afastar o PT do poder, o Brasil diz “não” à corrupção. “Temos que acabar com a cultura de levar vantagem em tudo”, prega Maranhão, que recorreu a uma das máximas de Odorico Paraguaçu para dizer que tem pressa. “Vamos botar de lado os entretanto e partir logo pros finalmente”.
Jean cospe em Bolsonaro após ode a torturador
O PSC do deputado fluminense Jair Bolsonaro fará uma representação contra Jean Wyllys (Psol-RJ) no Conselho de Ética da Câmara por quebra de decoro parlamentar, devido à cusparada que recebeu do colega durante a votação do processo de impeachment, na noite de domingo.
“O deputado Jean Wyllys não deve ter gostado do que eu falei durante meu voto. E depois que foi votar e viu que já estava decidido (a favor do impeachment), se exaltou e cuspiu em mim”, disse Jair Bolsonaro.
O deputado Jean Wyllys utilizou as redes sociais para desabafar. Ele admitiu ter dado uma cusparada em Bolsonaro e disse que faria de novo, se necessário fosse.
“Depois de anunciar o meu voto NÃO ao golpe de estado de Cunha, Temer e a oposição de direita, o deputado fascista viúva da ditadura me insultou, gritando “veado”, “queima-rosca”, “boiola” e outras ofensas homofóbicas e tentou agarrar meu braço violentamente na saída. Eu reagi cuspindo no fascista. Não vou negar e nem me envergonhar disso”, disse Jean Wyllys.
Além das ofensas que Jean diz ter sofrido (Bolsonaro nega), o deputado considerou inaceitável a exaltação ao torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, coronel do Exército responsável por um sem-número de crimes cometidos durante a ditadura militar.
“É o mínimo que merece um deputado que ‘dedica’ seu voto a favor do golpe ao torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-CODI do II Exército durante a ditadura militar. Não vou me calar e nem vou permitir que esse canalha fascista, machista, homofóbico e golpista me agrida ou me ameace”, disse Jean.
Um dos deputados mais combativos em favor das liberdades individuais e dos direitos das comunidades LGBT, Jean Wyllys disse ainda que Bolsonaro “cospe diariamente” nos direitos de lésbicas, gays, bissexuais e transexuais.
“Ele cospe diariamente na democracia. Ele usa a violência física contra seus colegas na Câmara, chamou uma deputada de vagabunda e ameaçou estuprá-la. Ele cospe o tempo todo nos direitos humanos, na liberdade e na dignidade de milhões de pessoas. Eu não saí do armário para o orgulho para ficar quieto ou com medo desse canalha”, completou Wyllys.
?Marido 'exemplar' é preso em MG
Um dia após o circo dos horrores em que se transformou a votação do impeachment na Câmara dos Deputados, uma notícia tomou conta do noticiário e das redes sociais, resumindo bem o tom hipócrita do dia anterior, onde deputados com extensa ficha suja faziam discursos moralistas, contra a corrupção, como se suas práticas fossem pautadas pela ética.
Foi o caso da deputada Raquel Muniz (PSD-MG), que durante a votação justificou o voto pela saída da presidente Dilma dizendo que o marido era um exemplo para o país, e que o “Brasil tem jeito” se for administrado por políticos como ele.
O marido da deputada é Ruy Adriano Borges Muniz, prefeito de Montes Claros (MG). Curiosamente, poucas horas após o discurso de sua esposa que exaltava sua honestidade, Ruy Muniz foi preso pela Polícia Federal por práticas completamente opostas às ouvidas no plenário.
O prefeito é acusado de usar de meios fraudulentos para tentar sabotar o funcionamento dos hospitais públicos de sua cidade em favor do Hospital das Clínicas Mario Ribeiro da Silveira que, segundo a PF, pertence ao prefeito.
Ruy Muniz deve responder pelos crimes de falsidade ideológica, dispensa indevida de licitação, estelionato, prevaricação e peculato — desvio de dinheiro. Se condenado, pode pegar mais de 30 anos de prisão. A assessoria da prefeitura informou que “recebeu com serenidade a decisão da Justiça em prender o prefeito Ruy Muniz” e que ação foi motivada por “perseguição política”.