Rio - Daqui a 12 dias, Alberto Youssef vai tirar a tornozeleira eletrônica que usa há quatro meses e passará a cumprir pena em regime aberto. Poderá ir e vir livremente pela Vila Nova Conceição, o bairro dos ricos paulistanos onde vive desde que saiu da prisão — onde esteve por 32 meses — em novembro. Nada mal para quem teria 122 anos de pena, caso não tivesse assinado o segundo acordo de delação premiada de sua extensa e lucrativa vida criminosa.
Desde Joaquim Silvério dos Reis, que entregou Tiradentes e ganhou pensão por toda a vida, um delator não é tão bem tratado quanto Youssef. Em 2004, depois de ser preso e condenado por crime contra a ordem tributária, evasão de divisas e formação de quadrilha no caso Banestado, ele conseguiu que todas as ações fossem suspensas graças a um acordo de delação. Em 2015, enrolado mais uma vez e mesmo tendo confessado ter repassado recursos para um esquema de propinas da Petrobras, foi absolvido pelo juiz Sergio Moro por conta de um erro do Ministério Público. O magistrado disse que o MP poderia fazer nova denúncia, mas o órgão não quis, alegando que as penas do doleiro já tinham passado de 30 anos — limite máximo admitido no seu segundo acordo de delação premiada, que tinha assinado pouco antes. Além do mais, o trato feito entre o MP e o doleiro, chancelado por Moro, tem uma cláusula que chama a atenção: Youssef é recompensado em 2% sobre valores que ajude a recuperar.
“Não vejo como justificar uma 'comissão' sobre valores ilícitamente obtidos. Esse é um claro exemplo de como o instituto da delação premiada está precariamente disciplinado no Brasil”, diz Aury Lopes Jr., professor da pós-graduação em Ciências Criminais da PUC-RS. O jurista não é contra o uso das delações, mas alerta para uma “distribuição diferenciada de impunidade”.
A “colaboração premiada” é ordenada no país pela Lei 12.850, de 2013. Trata-se, portanto, de legislação recente, mas prevê explicitamente os casos em que o juiz pode aplicá-la. Além disso, no parágrafo 1º, a Lei diz: “Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso”. Para muitos juristas, o trecho seria o suficiente para, no mínimo, uma negociação mais dura com um reincidente como Youssef. O desembargador aposentado do Paraná Wladimir Passos de Freitas discorda: “Preocupações éticas são compreensíveis em teses acadêmicas, mas não no mundo real. A delação premiada é a única forma de serem descobertos crimes de maior complexidade. É ela ou nada”.
A justificativa dos que defendem a forma como a Lava Jato utiliza a delação premiada é que ela é necessária para chegar aos atores políticos. Com dois anos de operação, isso ainda não foi tão efetivo. Já foram denunciados ao Supremo Tribunal Federal 59 pessoas com foro especial, mas apenas cinco se tornaram réus. Ninguém foi julgado.
‘Custo e benefício’
O risco da liberalidade no uso das delações premiadas é o incentivo à prática de crimes, alertam juristas. “Se transformamos em um mercado, a questão passa a ser de custo e benefício”, diz Alexandre Morais da Rosa, professor de Processo Penal da UFSC, para quem é preciso limitar mais claramente a aplicação da Lei. “Falta regramento. Por isso, o limite é controverso”, diz.
Para Aury Lopes Jr., a banalização do uso da delação é sintoma da incompetência do estado para investigar e provar a prática dos crimes. “Se você tem boa investigação e produção de provas, vai negociar com deliquentes por que?”, questiona.
Outro risco, alerta, é a coação por meio das prisões preventivas. “Delate para não ser preso, delate para ser solto. Do contrário, condenação a penas altíssimas”, diz o jurista.