Por gabriela.mattos

Brasília - O alerta foi dado pelo presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Mário Neto Borges: a ciência brasileira corre risco de parar, comprometendo pesquisas em áreas na qual o Brasil bate uma bola redonda — como doenças negligenciadas, exploração de petróleo em águas profundas e produtividade agrícola — e interrompendo a trajetória de um time de 100 mil pesquisadores — na prática, toda a força de trabalho que mantém a ciência brasileira de pé.

Mário Neto Borges%3A presidente do CNPq tenta sensibilizar equipe econômica para a importância da pesquisa em inovaçãoDivulgação

O problema é de caixa. Acabou o dinheiro do CNPq, que financia projetos de pesquisa, oferece recursos de subsistência para alunos de mestrado e doutorado e oferece auxílio (iniciação científica) para alunos da graduação que prestam serviços a projetos. Só na UFRJ, são cerca de 2,5 mil alunos que dependem de bolsas do CNPq — as de iniciação científica, no valor de R$ 400 —, que, em muitos casos, são essenciais para bancar despesas como passagens de ônibus, alimentação e xerox. 

“A interrupção da bolsa é uma tragédia. Para o pesquisador, é como o salário. Você tira a possibilidade de sobrevivência das pessoas”, diz Borges, que, durante o doutorado em Inteligência Artificial Aplicada à Educação, na Inglaterra, bancou as despesas dele, da mulher e de dois filhos pequenos, com uma bolsa do CNPq. “A possibilidade dessas bolsas serem interrompidas representa um grande desestímulo pessoal e um enorme prejuízo para o desenvolvimento do país”, lamenta.

Caíque Azael%2C do DCE da UFRJ%2C mobiliza os estudantes contra cortes de bolsas e teme ‘colapso’ da instituiçãoDivulgação

Na semana passada, o CNPq ganhou algum 'fôlego'. Borges conseguiu a liberação de R$ 100 milhões na semana pasada. É o bastante para garantir as bolsas de agosto, mas faltam R$ 405 milhões para fechar o ano.

Em um quadro em que o governo não conseguecumprir uma meta astronômica de déficit de R$ 129 bilhões, e no qual a liberação de emendas parlamentares se tornou prioridade — foram R$ 2,34 bilhões em junho e julho, até a votação da denúncia contra o presidente Michel Temer na Câmara — a ciência fica no fim da fila.

“As bolsas, independente do valor, representam um incentivo à pesquisa. Todos os bolsistas do CNPq tinham a expectativa do valor ser elevado para um nível compatível com a dedicação que temos, mas ninguém cogitava de uma diminuição ou supressão dessas bolsas”, diz, sem conter o espanto, o biólogo marinho Abílio Soares Gomes, que comanda o EcoSed, da UFF, grupo que estuda os impactos ambientais da atividade humana nos mares. “Um país que não apoia seus cientistas, logicamente, deixará de fazer ciência e estará fadado à dependência tecnológica dos países avançados”, diz.

Corte seria golpe duro na UFRJ

Na quinta-feira, algumas centenas de estudantes protestaram no prédio da reitoria da UFRJ. A maior e mais antiga universidade do país vive um momento dos piores desde sua criação, em 1920. Na Praia Vermelha, as aulas do segundo semestre só começarão no próximo dia 28, quase um mês depois do previsto (31 de julho). No momento, estão sendo instalados contêineres para receber os alunos, já que os prédios estão em obras.

Abílio Soares Gomes (à direita) em um submersível. Ele lidera o Ecosed%2C da UFF%2C e pode ter auxílio do CNPq cortado Divulgação

Segundo alunos, houve cortes em estagiários e em bolsas-auxílio, mas eles temem pelo pior cenário, que seria o corte das bolsas de iniciação científica. Essas bolsas auxiliam 3.596 estudantes de graduação, mestrandos, doutorandos e pesquisadores. “Houve um movimento de trazer para a UFRJ uma população periférica; essas pessoas acham que terão que deixar a faculdade”, diz Caique Azael, do DCE Mário Prata.

Sobre a iniciação cientifica, a UFRJ soltou uma nota frisando que o programa preparou “gerações de pesquisadores, contribuindo para a soberania nacional” e que “nunca sofreu descontinuidade mesmo em momentos mais graves de crise econômica”.

Leila Rodrigues da Silva, pró-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa da UFRJ, diz que, caso o corte se efetive, “em muitas áreas, significa a perda total de tudo o que foi produzido até o momento. É dinheiro público jogado fora”.

Os problemas no CNPq afetam o Rio de Janeiro de forma particularmente grave, já que se juntam à situação de calamidade da Faperj, o órgão estadual de fomento à pesquisa.

Tragado pela crise do estado, o órgão só recebeu 1/4 do orçamento de 2017, que era de R$ 537 milhões. A instituição mais afetada por essa situação é a UERJ. A universidade estima em R$ 80 milhões o montante que deixou de ser repassada a projetos da universidade, que simplesmente não saíram do papel. Na quarta-feira, a Faperj mudou de presidente pela segunda vez desde o início de julho. O secretário estadual de Ciência e Tecnologia, Gustavo Tutuca, por enquanto, acumula o cargo.

Pesquisas como a da zika podem parar

Um exemplo das conquistas da ciência brasileira foi o feito da pesquisadora Celina Turchi, que estabeleceu a ligação entre o vírus zika e a microcefalia. A descoberta valeu à brasileira um posto entre os dez cientistas do ano na prestigiada revista Nature. No entanto, ela advertiu em março deste ano. “O que sabemos sobre zika está apenas no começo”.

“A situação da zika está equacionada. Agora, se não tivermos recursos para a pesquisa, o que está sob controle hoje, pode virar uma epidemia”, diz Mário Neto Borges, presidente do CNPq.

A situação no CNP se agravou em 30 de março, quando o governo anunciou um corte de 44% no orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC). A partir daí, os recursos dirigidos às bolsas foram escasseando até o ponto atual.

Para Borges , é uma estratégia equivocada. “Todos os países, durante a crise de 2008, aumentaram o investimento em pesquisa. É exatamente em momentos como o nosso que você precisa gerar riqueza. A tecnologia e a inovação melhoram a produtividade das empresas. É isso que pode tirar o país do buraco”.

Borges chama a atenção para o baixo investimento do Brasil em pesquisa, que está em torno de 1,4% do PIB, enquanto a Coreia atingiu mais de 4%, nível semelhante ao de Israel. “Eles estava no mesmo patamar que o nosso até o fim da década de 1970. Mas fizeram investimento maciço e contínuo em educação e ciência. São os pilares que fazem de uma nação uma potência econômica”, diz.

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