Por caio.belandi

Rio - Entrega ao setor privado de setor estratégico no tabuleiro geopolítico mundial ou saída do governo de atividade industrial pouco eficiente? A inclusão da Casa da Moeda do Brasil (CMB) na lista de 57 empreendimentos a serem privatizados, anunciada no fim de agosto pelo governo federal, chamou a atenção para a estatal de receita bilionária, cujas fábricas instaladas na planta localizada em Santa Cruz, Zona Oeste do Rio, têm capacidade para produzir 2,6 bilhões de cédulas e 4 bilhões de moedas por ano, além de fabricar selos fiscais e os passaportes emitidos pela Polícia Federal (PF).

Assim como Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul, México e Austrália, o Brasil mantém sob controle do Estado todo o processo de produção do dinheiro, a cargo da Casa da Moeda.

Com a queda da demanda de seus principais clientes - o Banco Central (BC) e a Receita Federal, que vêm cortando gastos por causa da crise fiscal -, a estatal poderá registrar prejuízo este ano, admite o diretor de Inovação e Mercado, César Barbiero "A Receita Federal cancelou um contrato, para o rastreamento de bebidas", afirma.

Os passaportes emitidos pela Polícia Federal são confeccionados na Casa da MoedaAgência Brasil

Barbiero se refere à suspensão do Sicobe, o sistema de fiscalização da produção de bebidas frias da Receita Federal, cujo contrato para desenvolvimento e impressão de selos fiscais rastreáveis com a Casa da Moeda foi alvo de operação da Polícia Federal.

No fim do ano passado, a Receita decidiu desenvolver um novo sistema, mais simples. "O novo contrato, que ainda vai gerar receita, não podia passar de 30% do valor do anterior", completa Barbiero, projetando a volta do lucro da Casa da Moeda em 2018.

Desde 2010, a estatal vem registrando receita bruta anual acima de R$ 2 bilhões. Nos últimos anos, repassou R$ 1,3 bilhão em lucros e dividendos para a União, diz Barbiero. Em 2016, a estatal lucrou R$ 60,2 milhões, 80,7% abaixo de 2015, por causa da revisão do contrato com a Receita e da redução da demanda por cédulas e moedas, em um terço, por parte do BC.

No ano passado, o BC preferiu importar 100 milhões de notas de R$ 2. À época, a autoridade monetária alegou preocupação com a capacidade da Casa da Moeda de imprimir dinheiro, após problemas operacionais terem sido reportados. Questionada sobre os motivos por que vale a pena importar, a assessoria de imprensa do BC respondeu que gastou 20% menos com a remessa, importada da sueca Crane AB.

Importar não é uma novidade. Até o fim dos anos 70, grande parte do papel-moeda em circulação no País vinha do exterior. Alguns dos principais fabricantes mundiais, como a American Bank Note Company (que hoje não trabalha mais com cédulas e moedas) e a britânica De La Rue (uma das maiores do mundo até hoje, fornecendo para 142 países), já foram fornecedores. Na operação de guerra que foi trocar todo o dinheiro nacional com a estreia do Real, em 1994, foi necessário importar novamente.

Casa da Moeda produz cédulas que estão em circulaçãoReprodução

Origem

Segundo Bruno Pellizzari, assessor da presidência da Sociedade Numismática Brasileira (SNB), entidade dedicada a estudos sobre moedas, cédulas e medalhas, as primeiras notas foram introduzidas no Brasil no Império, em 1833. A partir da década de 20, o país começou a produzir cédulas, mas sempre teve de importar. Até que, num projeto dos últimos governos militares, em 1984, inaugurou seu parque fabril, numa zona industrial do Rio.

Nova Zelândia, Equador e El Salvador importam rotineiramente seu meio circulante. Já Reino Unido, Suíça, Canadá, Bolívia, Chile, Costa Rica, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Paraguai, Peru e Uruguai encomendam a produção a empresas privadas, segundo um estudo feito ano passado pelo consultor legislativo da Câmara dos Deputados, Fabiano Jantalia.

Para Jantalia, a maior preocupação é com segurança e falsificação, e isso não muda se o fabricante é privado. "Não se tem notícia de falsificações de notas de libra só porque uma empresa privada fabrica. A questão toda deveria ser colocada do ponto de vista da reflexão do custo-benefício de se manter um organismo do Estado para dar conta dessa missão."

Há também uma questão cultural, de símbolo nacional. Segundo Pellizzari, da SNB, a Casa da Moeda tem fabricado lotes de cédulas de pesos para a Argentina, mas o país vizinho manda o desenho sem a assinatura da estatal brasileira. Questionada, a Casa da Moeda informou apenas que recebeu os projetos técnicos das cédulas argentinas já prontos. "Depende de como é a cultura do país e de como aquele país faz o dinheiro. Tem países que, desde o começo, nunca teve casa da moeda. Sempre importaram", diz Pellizzari.

Para o professor José Luís Oreiro, do Departamento de Economia da Universidade de Brasília, a decisão de privatizar a Casa da Moeda é "totalmente simbólica". A medida não interfere na política monetária, e é "irrelevante" do ponto de vista econômico, já que a estatal não causa rombos nos gastos públicos "É simbólico. O que nós brasileiros sabemos produzir se não conseguimos fabricar a própria moeda?", diz.

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