Por marlos.mendes
Cartaz da Anima Mundi 2013Divulgação

Rio - 'O Kaiser', pioneira animação dirigida por Alvaro Marins em 1917, é um dos maiores mistérios do cinema brasileiro. Conhece-se até hoje apenas um frame do filme, que chegou a ser exibido nos cinemas na época. 'Luz, Anima, Ação', documentário sobre a história da animação no Brasil, dirigido por Eduardo Calvet - e que ganha exibição nesta sexta-feira, às 20h, na Fundição Progresso, como parte da edição 2013 do Anima Mundi - resgata a história do longa de Marins, entre outros casos preciosos, a partir da ação de oito animadores.

Cada um com seu estilo, Zé Brandão, Marcelo Marão, Pedro Iuá, Stil, Rosana Urbes, Diego Axel, Marcos Magalhães e Fábio Yamaji, prestaram homenagens a 'O Kaiser' ao longo do documentário ­- realizando uma animação coletiva exibida no fim do filme.

"Uma coisa que me deixou muito feliz é que os animadores convidados para a homenagem não procuraram os caminhos mais fáceis. O Yamaji fez em light-painting (técnica fotográfica de desenho utilizando lanternas), bem difícil de ser realizado. O Marcos Magalhães, um dos cabeças do próprio Anima Mundi e um cara extremamente ocupado, decidiu desenhar direto na película. Isso dá trabalho extremo", alegra-se Calvet, que contou com a parceria do Canal Brasil no filme.

Partindo das pesquisas já feitas sobre o tema no Brasil, 'Luz, Anima, Ação' trata a animação brasileira como um produto que, assim como o cinema, teve fases difíceis, mas acabou tendo uma retomada - mais recente, após o estabelecimento do próprio Anima Mundi e da criação da Associação Brasileira de Cinema de Animação (ABCA). Mostra venturosos depoimentos de nomes saídos do Brasil para dedicar-se à arte nos EUA e na Europa, com sucesso, como Carlos Saldanha (responsável pela direção de 'Rio', da Blue Sky). E de gente vinda do mercado dos anos 60, 70 e 80, com passagens tanto pelo campo artístico quanto pela publicidade, como Stil e Otto Guerra.

E em especial, redescobre os pioneiros, como Anélio Lattini Filho (1924-1986), de 'Sinfonia Amazônica'. Lançado com alarde em 1953, foi o primeiro longa animado do Brasil. "O Anélio levou seis anos fazendo sozinho o trabalho que, na Disney, seria feito em pouco tempo por 200 desenhistas! E ele nem ganhou dinheiro com o filme. Muitos dos primeiros animadores eram pessoas dispostas a encarar sozinhas 'guerras de um homem só'. Ficaram sem tanto destaque na história", recorda.

Os já citados Stil e Otto, por sinal, são responsáveis por dois depoimentos cortantes do longa. O primeiro diz conhecer poucas chances de se ganhar dinheiro com animação. O segundo afirma que teria sido mais difícil trabalhar com a arte se tivesse "casado ou tido filhos". Outro depoimento curioso é o de Mauricio de Sousa. Mesmo após o sucesso de longas como 'As Aventuras da Turma da Monica' (1982) e 'A Princesa e o Robô' (1983) ele revela que teria quebrado caso continuasse investindo no mercado.

Cena do filme de animação 'Piconzé'Divulgação

"O cenário hoje, na verdade, é outro. O Otto fez 'Wood & Stock: Sexo, Orégano e Rock´n Roll' (2006, baseado na história de mesmo nome do cartunista Angeli) e não ganhou nada. Mas mesmo para ele as coisas mudaram. Ele fez recentemente 'Até Que A Sbórnia Nos Separe', com um orçamento legal. E ainda teve na equipe o Ennio Torresan, gerente de storyboard na Dreamworks, num esquema mais profissional", recorda o diretor. Para mostrar essas evoluções, o sucesso televisivo de séries nacionais como 'Meu Amigãozão', de Andres Lieban, e 'Peixonauta', de Célia Catunda e Kiko Mistrorigo, também não fica de fora.

Outros nomes pioneiros e/ou veteranos ressurgem com o filme. O cearense Luiz Sá (1907-1979), criador da série de quadrinhos 'Reco Reco, Bolão e Azeitona', tem um raro trecho de seu filme 'As Aventuras de Virgulino' (1939) exibido. O filme foi picotado pelo próprio diretor após Sá não conseguir fazer com que Walt Disney, em visita ao Brasil no ano de 1941, assistisse ao desenho. "O Departamento de Imprensa e Propaganda do (então presidente) Getúlio Vargas considerou o trabalho ruim e não liberou que Sá se encontrasse com Disney. Ele ficou muito triste. A censura acabou com o sonho dele".

O clássico 'Piconzé' (1972), do japonês radicado no Brasil Ypê Nakashima (1926-1974), também é relembrado, assim como o curioso curta 'Macaco Feio, Macaco Bonito' (1929), de Luiz Seel - o filme mostra, num jardim zoológico, uma estranha e engraçada mistura que inclui até personagens do universo Disney, além de uma referência ao marinheiro Popeye. De Seel, é exibido também 'Frivolitá' (1930).

Boa parte do filme é dedicada à arte da animação na publicidade - motor de sua realização, já que Calvet relata ter tido sua atenção despertada para os desenhos por propagandas como a do homenzinho azul da Johnson & Johnson, ou pela campanha governamental do Sujismundo, nos anos 70. Eram filmes realizados por estúdios como o do paulista Ruy Perotti Barbosa (1937-2005), sócio-proprietário da Lynxfilm, verdadeira "indústria" da animação, ou por nomes como Valdeci Ribas.

"Eu era criança e isso ficou na minha cabeça. Lembrava também muito das animações do Daniel Messias, como o 'Frango da Sadia' (Lequetrefe). Não me tornei animador, me tornei documentarista, mas sempre quis mostrar esse meio de alguma forma. E consegui, após três anos e meio de muita luta".

'Luz, Anima, Ação!' também ganha exibição nesta segunda (5) às 20h no Cine Odeon, e na quarta (7), às 17h, no Oi Futuro de Ipanema.

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