Rio - ‘Não há meio-termo possível. É preciso que tudo isso seja belo”. Os versos do poema ‘Receita de Mulher’, de Vinicius de Moraes, descrevem a beleza feminina, mas poderiam muito bem, também, se referir à vida e obra do artista, celebrado em série de reportagens que começa hoje e vai até sábado, quando é comemorado o centenário de seu nascimento.
“Ele é o maior poeta brasileiro, e o fato de ele ter se aproximado da música é o que faz dele ainda mais especial”, acredita Ney Matogrosso, que interpretou diversas músicas do compositor em sua carreira.
Ao lado de Tom Jobim e João Gilberto, Vinicius deu início ao movimento da Bossa Nova — criando versos de canções míticas como ‘Chega de Saudade’, ‘Insensatez’ e ‘Garota de Ipanema’, canção que projetou o movimento para o mundo.
Se a bossa nova correu o planeta, com Vinicius não foi diferente. Diplomata, o carioca nascido na casa da sua família na Rua Lopes Quintas, no Jardim Botânico, em 19 de outubro de 1913, viveu em Londres, Lisboa, Los Angeles, Paris, Montevidéu, Buenos Aires e Salvador.
Só não trocou mais de cidade do que de amores: eterno apaixonado, Vinicius foi casado nove vezes, e suas mulheres se tornaram musas de algumas de suas mais belas canções. Teve cinco filhos: Suzana e Pedro (do primeiro casamento, com Beatriz Azevedo de Melo Moraes, a Tati); Georgiana e Luciana (do segundo, com Lila Bôscoli, irmã de Ronaldo) e Maria (do sexto, com Cristina Gurjão).
“Ele falava de amor sem paralelo na literatura brasileira”, defende o poeta e letrista Geraldo Carneiro, amigo do Poetinha e autor do livro ‘Vinicius de Moraes por Geraldo Carneiro’ (ed. Brasiliense). “Ele tem um lado romântico muito presente, que é o que eu gosto mais”, conta Ney.
Na música, os casamentos também foram muitos — e frutíferos. Além de Tom Jobim, ele teve parceiros como Pixinguinha, Ari Barroso, Baden Powell, Chico Buarque, Carlos Lyra, Francis Hime e Toquinho. Sozinho ou acompanhado, é autor de mais de 300 canções.
“Não só como poeta, mas como letrista de música, ele foi um divisor de águas. Depois do Vinicius, as coisas não foram as mesmas. As pessoas passaram a gostar mais de letra de música”, diz Geraldo.
Para o jornalista cultural Alvaro Costa e Silva, no entanto, ainda existe uma faceta do Poetinha a ser descoberta. “Existe o Vinicius cronista, que é excelente. Esse é um tesouro ainda escondido. Ele era muito bom, beirando Rubem Braga e Paulo Mendes Campos. Principalmente falando sobre o Rio de Janeiro”, garante.
A cantora Miucha, que gravou um famoso disco ao vivo ao lado de Tom, Vinicius e Toquinho em 1977, faz questão de frisar o talento musical de Vinicius. “Ele era talentosíssimo. Embora não fosse um exímio violonista, compôs melodias lindas”, elogia. Ney concorda: “Gosto especialmente de cantar as músicas que são só dele, letra e melodia, embora as outras sejam maravilhosas também.
Depois de viver intensamente, Vinicius morreu em 9 de julho de 1980, em sua casa na Gávea. Na véspera, discutia detalhes do disco infantil ‘Arca de Noé’ com Toquinho, e disse ao amigo que iria tomar um banho. Toquinho, que dormia na casa de Vinicius, foi acordado na manhã seguinte pela empregada, que o encontrou na banheira com dificuldade de respirar. Ele ainda tentou socorrê-lo, assim como Gilda Mattoso, com quem o Poetinha era casado (ele tinha 63 anos e ela, 23), mas não foi possível salvar Vinicius. No enterro, a jovem viúva lembrava da última entrevista do marido, em que disse que via a morte como uma espécie de “saudade da vida”: “Sobretudo por causa das mulheres: tenho muita pena de deixá-las”.