Por daniela.lima

Rio - O Brasil conheceu Neusinha Brizola (1954-­2011) em 1983, quando saiu o single com o sucesso ‘Mintchura’. Mas ela já tinha histórias e mais histórias para contar desde muito antes disso. O exílio do pai, o ex-governador do Rio Leonel Brizola (1922-­2004), a levou a morar em vários países, como Uruguai, Inglaterra e Chile, e a passar mais de 20 anos fora do Brasil. Antes da fama, havia flertado com o perigo ao traficar drogas — chegou a conhecer bem de perto o tráfico internacional da América Latina já nos anos 60/70. Frequentou a badalada boate nova-iorquina Studio 54. Anarquizava festas repletas de militares em plena ditadura. Uma trajetória politicamente incorreta e repleta de casos bizarros, que está condensada agora na biografia ‘Neusinha Brizola Sem Mintchura’ (ed. Interface Olympus, 434 págs., R$ 65), de Lucas Nobre e Fábio Fabrício Fabretti. 

Neusinha com o pai%2C Leonel Brizola%2C na missa de um mês da morte da mãeReprodução


Fábio, que iniciou o projeto, chegou a fazer várias entrevistas com Neusinha. Conversar com ela, àquela altura da vida, não era tarefa das mais fáceis. “Ela era muito lúcida e cheia de personalidade, mas tinha aquele ar de desconfiança de quem levou porradas da vida e enfrentava um momento difícil com a saúde. Tinha aprendido a se resguardar com o tempo. E também demonstrava certas sequelas físicas, na fala e em alguns movimentos”, lembra.

Além de sofrer com a hepatite causada pelo excesso de drogas, Neusinha já tinha falhas na memória, a ponto de mudar bruscamente de assunto ou ter dificuldade para concluir histórias. “Tirando as décadas, a história não necessariamente obedece a uma coerência cronológica, e até se contradiz em alguns momentos. Mas ela era assim. E criamos um livro que fosse o seu perfil.”

O sucesso de Neusinha como cantora aconteceu durante o primeiro e controverso mandato de seu pai como governador do estado do Rio, em 1982. Seus discos saíram justamente pela Som Livre, gravadora das Organizações Globo, atacada eternamente por Brizola. A relação não era das mais fáceis — e Neusinha deu, digamos, algumas dores de cabeça públicas a seu pai, que foram amplamente exploradas pelos jornais.

Em agosto de 1983, ela resolveu se casar com o empresário Franco Bruni, numa festa de arromba no Terminal Menezes Côrtes, sem pedir autorização a Brizola. Em 1987, posou nua para a revista ‘Playboy’, mas a edição foi impedida de chegar às bancas por ordens do governador.

Além das prisões por drogas, Neusinha foi namorada e amante de traficantes (um deles, José Carlos dos Reis Encina, o popular Escadinha) e passou um bom tempo vivendo em Amsterdã, na Holanda, mergulhada na heroína.

“Evitamos o tempo todo que a biografia se tornasse um documento sobre a vida do Brizola, o que, de certa forma, era inevitável”, diz Fábio Lucas, nascido em São Borja (RS). Ele revela que, na sua terra, as pessoas até evitavam falar sobre as desventuras de Neusinha com as drogas. “Lá, fronteira do Brasil com a Argentina, o Brizola é amado, e as pessoas diziam apenas: ‘Ouvi dizer que ela teve problemas com tóxico, mas não sei de nada’”, conta. “Ele dizia que era maravilhoso e ao mesmo tempo um inferno ter Neusinha como filha. Na relação familiar, acredito que ele se divertia, sobretudo porque os dois se amavam. Muito.”

Com tantas histórias bizarras, Fábio diz que o que mais lhe marcou foi o amor doce que Neusinha tinha por sua mãe, dona Neusa Brizola. “Mas seu envolvimento com a heroína foi lamentável e degradante. Entendi por que ela me disse que a história dela deixaria ‘Meu Nome Não É Johnny’ (de Guilherme Fiuza, sobre a vida do ex­traficante João Guilherme Estrella) no chinelo.”

Filha mais velha de Neusinha, Layla Brizola lembra que teve que ser um pouco mãe da mãe. “Aconselhei muito no trato com meu avô. Ela o enfrentava e eu ajudei no entendimento dos dois”, recorda. “Tivemos muitas conversas que varavam a madrugada, muitas risadas. Minha mãe era uma mulher incrível, inteligente e com o melhor senso de humor. E momentos tensos, nas crises causadas pela hepatite. Eu e meu irmão salvamos sua vida várias vezes.”

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