Por daniela.lima
Luis Pimentel%3A O velho e a moçaNei Lima / Agência O Dia

Rio - O velho mora em Copacabana, mas se encontra com a moça na saída do metrô do Estácio. Puxa a moça para debaixo do guarda­chuva, proteção contra os chuviscos, e oferece uma balinha embrulhada no papel de propaganda de uma churrascaria. O sorriso sonso das outras vezes, o pente deslizando pelos cabelos ralos e cheios de creme.

Atravessam a praça e tomam o rumo do hotelzinho costumeiro, nas imediações da Praça Onze. Ele a convida para um café com pão na chapa na esquina de Correia Vasquez, ela prefere Fanta laranja e bolo. Ele acha chato ela ficar mascando chiclete o tempo todo, mas não fala nada. A moça tem pavio curto. Ela detesta o pentinho Flamengo no bolso da camisa, mas não fala. O velho é cheio de manias.

A recepcionista dá boa­tarde e estende a chave do quarto, “o de sempre”. Ela ajuda ele a subir os degraus e a recepcionista fica olhando para os dois, chupando o dente e balançando a cabeça de um lado pro outro. Antes de qualquer coisa, a moça quer saber se o velho trouxe o dinheiro que prometeu para comprar o remédio da filha dela. O velho pede paciência e diz que, quando chegar lá em cima, no quarto, conversa sobre este assunto.

— Lá em cima uma pinoia! Vamos resolver logo essa história aqui embaixo mesmo, senão não subo nem um degrau dessa escada — berra a moça, que é desaforada, forçando para baixo a barra da minissaia.

O velho diz que ela é muito geniosa, briguenta, encrenqueira e interesseira. Diz mais um monte de bobagens, mas entrega o dinheiro do remédio da menina.
“Isso é o que importa”, pensa a moça, tascando um beijinho burocrático no rosto enrugado do velho.

Em seguida, retoma a escalada, na frente dele, remexendo as cadeiras. O velho acompanha a moça, feliz da vida, assoprando e tossindo a cada degrau vencido.
“Como é que essa peste ainda se mete a procurar mulher?”, pensa a moça, mas não fala nada. O velho é teimoso e isso é problema dele.

No quarto, o cheiro de mofo é inconfundível. A moça abre a única janela, por onde consegue avistar o relógio da Central do Brasil, e sacode a roupa de cama. O velho senta­se na cadeirinha ao lado da janela e começa a assoprar a bombinha de asmático, antes de qualquer coisa. A moça espera pacientemente a crise passar.

Afinal de contas, essa hora não tem movimento mesmo, lá fora está chuviscando, a vista com direito a arquibancada do Sambódromo, chaminé da Brahma e Morro da Providência é uma coisa tão linda. E o melhor: o dinheirinho do remédio da filha já está garantido.

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