Por bianca.lobianco

Rio - Vai partir o expresso cultural, e pouco mais de meia hora separa a música clássica da Cidade das Artes, no Terminal Alvorada, do samba de raiz no Cacique de Ramos, homenageado em nome de estação. No rastro do BRT Transcarioca, um roteiro de diversão em 39 quilômetros visita ritmos como rock, funk e charme, além de teatros, lonas, shoppings e parques, com direito a petiscos nos melhores botecos do Rio. O corredor viário que começa amanhã a funcionar — e terá seu trajeto completo até o fim da semana — aproxima os artistas da cidade e exalta a cultura suburbana.

“É como no samba que fiz com o Arlindo Cruz: ‘Em cada esquina um pagode, um bar’. Madureira é um bairro boêmio e cultural, com duas escolas de samba. Uma obra desse porte vai animar, trazer o pessoal”, opina o sambista Mauro Diniz, que cresceu na Portela. Filho do baluarte Monarco, Mauro mora na Barra e diz que espera reduzir o sofrimento em todas as muitas vezes que precisa ir ao Aeroporto Internacional, no trajeto que é o mesmo da nova estrada.

E a cantora Mart’nália, que circula por todas as regiões do Rio e na sexta-feira gravou seu DVD no Imperator — a supercasa de shows do Méier, acessível através de linhas alimentadoras do BRT —, comemora a possibilidade maior de locomoção e a promessa de trânsito desafogado. “Todo mundo no Rio gosta de ficar no seu próprio lugar, e agora, com esse intercâmbio, isso pode mudar. A coisa fica mais democrática, mais misturada, de acordo com o momento em que vivemos”, diz a cantora.

Se na canção ‘Pé do Meu Samba’, que deu título a CD de Mart’nália, a Festa da Penha está citada, o bairro da Zona Norte poderá ser revitalizado com atrações à beira do asfalto na Transcarioca, como o tradicional Parque Shanghai e brinquedos como a montanha-russa e o espelho mágico. Tudo aos pés da Igreja da Penha, de tantas orações e promessas.

Seguindo a Avenida Brás de Pina, cortada pela via expressa, fica ali perto o bar Original do Brás, bicampeão carioca do concurso Comida di Buteco e autor do oportuno petisco Rolê pelo Subúrbio: bife rolê com molho de cerveja escura em cestinha crocante de fubá.

“O pessoal freta van para vir para cá de vários lugares. Com o ônibus especial partindo da Barra, vai melhorar para todo mundo”, afirma Zé Carlos Garcia, dono do botequim.

Regiões importantes na cultura popular, Madureira e Oswaldo Cruz brilham no percurso com o Viaduto Negrão de Lima, a ‘capital’ dos bailes de charme, a Feira das Yabás — atração do próximo domingo na Praça Paulo da Portela — e as quadras de Império Serrano e Portela, onde, no sábado, vai rolar feijoada com o grupo Sururu na Roda. A Estação Madureira do BRT, por sinal, ganhou o nome de Manacéia (1921-1995), compositor da Velha Guarda da escola.

Principal ponto comercial da região, o Mercadão de Madureira vive dias em que Copa do Mundo e festa junina se misturam nas quase 600 lojas, por onde passam cerca de 80 mil pessoas por dia. A Transcarioca está na boca de lojistas e frequentadores, que esperam ver o trânsito fluindo na região.

Como o casal formado pelo funcionário público Claudio Rampazio, 51, e a militar Angélica, 50, moradores da Praça Seca que deverão encurtar pela metade o caminho para o Mercadão. “Adoramos o Mercadão, mas o trajeto é complicado, e muito difícil para estacionar. O objetivo agora é vir mais aqui”, disse Angélica, buscando artigos de enxoval para uma sobrinha.

A lista de artistas homenageados pela obra passa pelo Mergulhão Clara Nunes, em Campinho, o Terminal Aroldo Melodia, que festeja o bamba da União da Ilha, no Fundão, e viadutos como Silas de Oliveira, em Madureira, e Renatinho Partideiro, em Ramos.

A ideia de aplaudir Renatinho, o melhor versador do Cacique, foi de Bira Presidente, comandante do bloco e da roda que lota a cada domingo a quadra histórica que empresta seu nome à estação de Olaria. “Levamos quatro mil pessoas para lá no fim de semana, somos tombados como patrimônio e agora viramos estação”, comemora Bira. O Trem do Samba ficou pequeno. Vem aí o BRT dos ritmos de uma cidade inteira.

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