Por daniela.lima

Rio - Em julho de 2014, um álbum que falava em discos voadores, sociedades alternativas, sessões das dez, super-heróis diferentes (como o apresentador Silvio Santos e o corredor Emerson Fittipaldi) e de aventuras na Cidade de Thor chega aos 40 anos influenciando roqueiros de todas as idades. ‘Gita’, segundo disco solo de Raul Seixas (1945-1989), completa quatro décadas, após imortalizar sucessos como a faixa-título, ‘Sociedade Alternativa’, ‘S.O.S’ e ‘Medo da Chuva’. Nas letras, temas ousados como espiritualidade e amor livre — que levaram Raul, cujo aniversário de 25 anos de morte acontece em agosto, a vender mais de 500 mil cópias. 

Disco 'Gita' de Raul Seixas completa 40 anosDivulgação


“Esse disco é como um livro para mim. Tem ‘Gita’, inspirada no livro sagrado hindu Bhagavad Gita, tem ‘As Aventuras de Raul Seixas na Cidade de Thor’, que é uma previsão do futuro. Raul, para mim, é uma referência de atitude”, diz o roqueiro Tico Santa Cruz, vocalista dos Detonautas, que comandou um tributo ao cantor no último Rock in Rio. E tatuou no peito a ‘chave’da Sociedade Alternativa, grupo esotérico criado por Raul e o então jornalista e compositor Paulo Coelho. “Para mim, essa chave representa os outsiders, os caras que estão à margem do sistema.”

O produtor Marco Mazzola, que cuidou do disco, lembra que não foi fácil. “Cara, gravar a música ‘Gita’ foi o maior desafio que eu tive na vida! São 86 músicos em quatro canais, um deles só para a voz”, espanta-se ele, que lembra de ter sido recebido por Raul e Paulo Coelho no apartamento do baiano na Lagoa, num ambiente “de magia, sombrio, com uns candelabros. Dei ideia de a gente gravar com orquestra completa e todo mundo falava: ‘Você tá doido!’. Fui vendo como poderia fazer a dinâmica. Onde entrava harpa não poderiam entrar outras cordas, ou então ela não apareceria. Gravamos de uma vez só. Depois, Caetano Veloso e Gilberto Gil vinham me perguntar: ‘Como é que você conseguiu aquilo?’”

Mesmo unindo filosofia oriental e Jesus Cristo na mesma batida, o disco é uma homenagem ao bruxo inglês Aleister Crowley (1875-1947), de cuja doutrina saiu quase toda a letra de ‘Sociedade Alternativa’, incluindo o grito de guerra “faz o que tu queres, há de ser tudo da lei”. Crowley teve como seguidor o guitarrista do grupo inglês Led Zeppelin, Jimmy Page. “Conheci sua filosofia nos anos 70 graças ao Led, mas nos anos 80 me aprofundei em Crowley”, recorda o presidente do fã-clube Raul Rock Club, Sylvio Passos, cujo caminho na doutrina foi orientado pelo próprio Raul. O ídolo lembrava de ‘Gita’ com muita tensão. “Ele ficava preocupado porque era colocado como um salvador da pátria, um profeta. A proposta da Sociedade Alternativa era muito inovadora.” Com o sucesso, Raul e Paulo seriam chamados para fazer a trilha da novela ‘O Rebu’ (que ganha remake na Globo), em novembro daquele ano.

“Quando contratei o Raul, o André Midani (então diretor da Philips) me perguntou o que ele era. Falei que ele poderia ser produtor, compositor, cantor, mas que não dava para perder o cara”, lembra o então gerente de produtos da gravadora, Roberto Menescal, acrescentando que Raul e Paulo foram censurados e presos. “Os militares elogiaram os dois e queriam levá-los para Brasília. Falei para tomarem cuidado, e eles me responderam: ‘Nada, sem problemas, eles querem fazer um projeto para a juventude e chamaram a gente.’ Só que invadiram as casas deles aqui no Rio, levaram coisas, escritos. Os dois acabaram presos”, conta. Raul, lembra ele, era “muito profissional, se envolvia com tudo. Depois é que começou o envolvimento pesado com magia negra e drogas”. “Tentei segurar a cabeça do Raul, mas não deu”, acrescenta Mazzola.

Apesar do deslumbre inicial de Gil e Caetano com ‘Gita’ (e de Maria Bethânia ter gravado a música), Mazzola lembra que Raul era um cara à margem da MPB. “Nunca o vi ouvindo música brasileira, só estrangeira. E, quando eu mostrava o trabalho dele para certos artistas, encontrava rejeição. Hoje todo mundo fala ‘o Raul é f...’, mas, na época de ‘Gita’, ninguém falava isso. Os baianos só prestaram atenção nele na decadência.”

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A gravadora Universal lembra da data (e dos 25 anos da morte de Raul, ocorrida em 21 de agosto de 1989) repondo a caixa ‘10.000 Anos à Frente’, com toda a obra que o cantor deixou na antiga Philips, para venda online e física. A Eldorado lança, justamente no dia 21 de agosto, o boxe ‘Raul Seixas’, com os quatro CDs que o cantor deixou na gravadora: ‘Raul Seixas’ (de 1983, com ‘O Carimbador Maluco’), ‘Ao Vivo Único e Exclusivo’ (1984) e os póstumos ‘Raul Vivo’ (1992) e ‘Se o Rádio Não Toca’ (1994). E ainda mais dois inéditos ao vivo: ‘Eu Não Sou Hippie’, gravado durante show no Cine Teatro Patrocínio, na cidade mineira que batiza o lugar, em 1974, e ‘Isso Aqui Não é Woodstock, Mas Um Dia Pode Ser’, gravado em São Paulo no Segundo Festival de Águas Claras, em 1981.

O material foi tirado de fitas cassete guardadas pelo próprio Sylvio Passos — ele produziu as edições ao lado do jornalista Edmundo Leite, que trabalha em uma biografia do cantor. “E depois tudo sai em LP aos poucos”, garante Sylvio. Além dos discos, tem show: no mesmo 21 de agosto, tem mais uma edição do ‘Baú do Raul’, na Fundição Progresso, com nomes como Baby do Brasil, Ana Cañas, Nação Zumbi, Maria Gadú e Plebe Rude.

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