Por daniela.lima

Rio - Dentro de cada mulher mora uma multidão e um baú de histórias. A nova série do Canal Brasil, ‘302’, que vai ao ar dia 20 de setembro, reuniu depoimentos de mulheres anônimas, que foram voluntárias para tirar a roupa para as lentes do fotógrafo Jorge Bispo, no livro ‘Apartamento 302’. O projeto, que começou online, foi publicado em 2013 numa ação de ‘crowdfunding’ (financiamento coletivo), agora serviu de base para o programa de TV.

Carol Guerra observa com lupa as fotos feitas por Jorge BispoReprodução


Algumas mulheres que participaram do ensaio foram convidadas a voltar ao apartamento de Jorge e contar sobre a experiência e os motivos que as levaram a posar nuas para um desconhecido, sem retoques, produção nem cachê. Em meio aos relatos, aparecem histórias sobre feminilidade, o peso dos estereótipos de beleza e relacionamentos afetivos de mulheres ‘comuns’: mães, desempregadas, empresárias e estudantes.

Na opinião da coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza da PUC-Rio, Joana de Vilhena Novaes o ensaio e o programa sugerem uma reeducação do olhar das pessoas sobre o que é um corpo bonito. “Esse tipo de trabalho pode ajudar a trazer visibilidade para essa beleza que se revela além dos padrões de juventude e magreza”, avalia a autora do livro ‘O Intolerável Peso da Feiúra’.

Em sua conversa com as ‘modelos’, Bispo notou que entre as razões mais frequentes apontadas por elas estava a afronta a um ideal de beleza opressivo. “A mulher já é complexa em si, então, não tinha uma unicidade no discurso, mas muitas traziam esta postura ‘não interessa se sou gordinha, negra, ou qualquer coisa, quero me sentir bonita’”, diz o fotógrafo, que já fez capas para ‘VIP’ e ‘Playboy’.

A diretora do programa, Daniela Gleiser, ficou instigada pela proposta do livro. “Percebi que aquele não era um livro de fotos, era também um livro de histórias, e que a gente precisava dar voz a elas”, conta.

As novas convidadas, que não estavam no livro, posaram para Bispo ao mesmo tempo em que eram filmadas pelas câmeras do Canal Brasil. Depois, eram entrevistadas sobre como tinha sido a experiência e estimuladas a falar sobre si. A primeira temporada já está gravada. Serão 26 episódios, transmitidos todos os sábados, à meia-noite.

DEPOIMENTOS

UMA LIBERTAÇÃO
Pela terceira vez separada, a autônoma Ana Paula Dumans, de 43 anos, não pensou muito antes de topar o ensaio televisionado. Ela conta que não tinha nenhuma “trava” com o próprio corpo, mas em compensação, guardava um segredo sobre seu passado. “Vivi sob intenso terror psicológico no meu primeiro casamento. E a minha vontade era poder contar para mulheres que vivem algo semelhante que elas não precisam sofrer caladas”, desabafou, emocionada. “Eu estava há 20 anos com isso guardado no peito. A possibilidade de me expor me libertou”, comenta.

ABRIR-SE AO OUTRO
A modelo fotográfica e cadeirante Luciana Trindade, 35, estava mais do que acostumada a estar na frente das câmeras. A nudez, porém, fez com que a experiência fosse mais profunda. “A coisa do nu tem a ver com a alma, com estar ali , quebrando todos os tabus e preconceitos de uma vez, diante dos olhares potenciais de todos os espectadores”, diz. “O olhar das pessoas nas ruas é opressivo, mas ali me senti podendo me expor”, conta.

VIVER O FEMININO
Mãe aos 16 anos, a cantora e vitrinista Carol Guerra, hoje com 24, e dois filhos pequenos, fez questão que as fotos tiradas no apartamento de Jorge Bispo não fossem editadas. “Estava em um momento em que o que eu mais queria era assumir meu corpo. Vendo as fotos, achei meu gesto de muita coragem”, confessa. “Não fiquei na coisa de me sentir mulher só no interior, consegui exteriorizar muitos valores de independência e liberdade que eu penso que , como mulher, devo levar na vida”, revelou.

Corpo sofre pressão social

Para a coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza da PUC-Rio, Joana de Vilhena Novaes, a nudez é uma questão sensível para o sexo feminino: “A mulher, historicamente, não tem autonomia sobre seu corpo. Ele existe para servir ao prazer e interesses masculinos, como a gestação de um filho, por exemplo”. Ele diz ainda que “sobre o corpo, incidem pressões sociais de como ele deve se parecer para o outro”.

A modelo fotográfica e cadeirante, Luciana Trindade, de 35 anos, logo questionou Jorge Bispo sobre a razão de não terem sido convidadas deficientes para o projeto. “Sou vaidosa e faço questão de denunciar o preconceito embutido nessa visão de que o deficiente é um doente”, defende.

Reportagem de Luiza Gomes (estagiária)

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