Rio - Na época de Lamartine Babo (1904-1963) não havia o termo “multimídia”. Mas a palavra serviria para definir perfeitamente o compositor, ator, radialista, produtor, jornalista e apresentador de TV que chegaria aos 110 anos em 2014.
“Ele atuou em muitas áreas diferentes numa época em que isso não era comum. E, com seu trabalho, ajudou a definir o espírito brincalhão do carioca”, diz o músico Pedro Paulo Malta, um dos responsáveis pela revisada e ampliada terceira edição do livro ‘Tra-Lá-Lá — Vida e obra de Lamartine Babo’, biografia escrita pelo pesquisador Suetônio Soares Valença (Ed. Funarte, 871 págs, R$ 40). O livro ganha relançamento hoje, às 18h, na Sala Funarte Sidney Miller, com a apresentação do show ‘Lamartiníadas’, que reúne clássicos do compositor interpretados por Pedro Paulo, Alfredo Del-Penho e Pedro Miranda.
O maior contato que muitos têm hoje com sua obra é por intermédio do futebol. Nos anos 40, Lamartine compôs os “hinos de torcida” de 11 clubes do Rio — entre eles, Flamengo, Vasco, Botafogo, Bangu e o seu time do coração, o América. Cada um foi feito em uma ocasião diferente (e não em um único dia, como rezava a lenda) e todos foram criados para o espetáculo ‘Até Breve, Rio’, de janeiro de 1944. A fama de Lamartine era tão grande que boa parte desses hinos é hoje conhecida nacionalmente e acabou ganhando cara de “hino oficial” de cada time.
“Muita gente nem lembra mais disso, mas essas músicas do Lamartine nem foram compostas como hinos. Eram marchas dos times. Os clubes já tinham hinos oficiais e atualmente muitos torcedores nem se recordam mais deles. Até por terem sido compostos numa época em que o futebol não era um esporte tão popular e era praticado por atletas de elite”, diz Pedro Paulo.
Muitos lados de Lalá (como era conhecido por amigos e ouvintes de seus programas) são redescobertos pelo livro. Ex-mulher de Suetônio (morto em 2006), a pesquisadora Rachel Valença ajudou a montar o calhamaço de entrevistas e novas descobertas do autor para a terceira edição, a pedido dele. E lembra que os hinos dos clubes até ofuscam outros lados do compositor. “Ele fez músicas como ‘Serra da Boa Esperança’, ‘Eu Sonhei Que Tu Estavas Tão Linda’ (parceria com Francisco Matoso) e ‘No Rancho Fundo’ (com Ary Barroso). Todas marcaram época. Ele também foi importantíssimo para o Carnaval carioca. Compôs para vários blocos”, afirma.
De fato, nos anos 30 Lamartine foi um verdadeiro fabricante de sucessos da folia, compondo músicas como ‘O Teu Cabelo Não Nega’, ‘A.E.I.O.U’ (com Noel Rosa), ‘Só Dando Com Uma Pedra Nela’ e ‘Aurora da Folia’. Popular no período junino, a marchinha de Carnaval ‘Isto É Lá Com Santo Antonio’ também foi feita por ele.
Rachel estava ao lado de Suetônio durante inúmeras entrevistas feitas para o livro, cuja edição original saiu em 1981. “Acabamos nos tornando amigos de dona Maria José, viúva de Lamartine. Ela nos recebeu várias vezes em sua casa na Tijuca. Ao contrário de muitos herdeiros, ela nunca quis nada para si. Queria só que o Lamartine voltasse a ter visibilidade. Hoje fico feliz quando vejo uma cantora como a Nina Becker dizendo que adoraria ter vivido no tempo dele”, diz Rachel.
‘Tra-Lá-Lá’ também recorda algumas das várias caricaturas que foram feitas de Lamartine, desenhadas por nomes como Lan, Nássara e Augusto Rodrigues. Lalá era um sujeito bem humorado, que brincava com a própria aparência. Na época em que dividia o programa de rádio ‘Trem da Alegria’ com Heber de Bôscoli e Yara Salles, os três, muito magros, se apresentavam como ‘Trio de Osso’ — uma brincadeira com o Trio de Ouro de Dalva de Oliveira, Herivelto Martins e Nilo Chagas. No fim da vida, passou a produzir discos e a apresentar programas de TV. Morreu de infarto em 16 de junho de 1963.
O show ‘’Lamartiníadas’, apresentado hoje no relançamento do livro, havia sido criado por Pedro Paulo, Miranda e Alfredo em 2004 para os 100 anos do compositor. Gerou também um CD, lançado pela Deck. “A gente talvez relembre um pouco do lado de compositor dos times. Para não puxar brasa para a sardinha de ninguém, devemos relembrar o ‘Hino do América’, que é o segundo time de todos os cariocas”, adianta Pedro Paulo.