Por tabata.uchoa

Rio - Não há céu azul, jardins verdejantes, flores coloridas e pássaros que cantam belas melodias. Não há pessoas felizes, redenção, heróis vingadores e damas em perigo. Passeando por um cenário soturno, a protagonista pisa sobre a sujeira que, todos os dias, se vê obrigada a limpar. Enquanto isso, seu cão, com capacidade de observação aguçada e humor ácido, a incita a se rebelar contra a madrasta que a oprime. Numa primeira análise, os elementos acima podem remeter a uma versão mais sombria de Cinderela. Mas acredite: o mergulho é bem mais fundo.

A protagonista%2C CDivulgação

‘Cinza’, musical escrito e dirigido por Jay Vaquer que estreia hoje no Teatro Oi Casa Grande, no Leblon, tem sua inspiração inicial em ‘Rhodopis’ — texto grego que data do século 1 antes de Cristo e que serviu de inspiração para o francês Charles Perrault escrever ‘Cinderela’. A partir dele, a peça faz uma análise psicológica da personagem C, protagonista da trama, uma jovem que perde a mãe, tem um pai apático e entra numa viagem emocional para se encontrar — no trajeto, terá que lidar com questões que envolvem sexo, ódio, moral, religião, morte, preconceito e poder. A narrativa é conduzida por 37 canções, todas compostas por Vaquer.

“É um trabalho corajoso. ‘Cinza’ foge bastante do padrão comercial de musicais com o qual nos acostumamos nos últimos tempos. Não estamos fazendo a biografia musical de nenhum grande nome da música brasileira. E a maior parte do material musical é formada por rocks”, explica Vaquer. Apaixonado pelo formato, há quase 15 anos ele foi um dos protagonistas de ‘Cazas de Cazuza’, obra que, de certa forma, marcou a retomada de musicais de sucesso em palcos cariocas.
O ator Paulinho César%2C que interpréta um cachorroDivulgação

A história de ‘Cinza’ é contada ao longo de 125 minutos, divididos em dois atos de pouco mais de uma hora. A interpretação fica a cargo de 11 atores/cantores e as canções são executadas ao vivo por uma banda formada por cinco músicos. A preparação vocal do elenco ficou por conta da cantora Jane Duboc. O design de som foi concebido por Moogie Canazio, três vezes indicado ao Grammy na categoria Engenharia de Som e vencedor do prêmio pelo álbum ‘Voz e Violão’, de João Gilberto.

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“É um trabalho que exige demais de mim. Tive que passar por um treinamento vocal extenso para encarar as canções. Além disso, ‘Cinza’ não é um musical fácil. Abordamos temas pesados, como a esquizofrenia e a loucura. São tópicos que não costumam ser vistos com frequência em outras obras. Não se trata de uma crítica, mas de uma constatação: muitos musicais parecem se prender a uma receita de bolo. A questão é que essa fórmula, em algum momento, vai se esgotar. É bom participar de uma produção que se arrisca”, avalia Gabriella di Grecco, que encarna C.
A atriz não se refere apenas aos temas tratados na obra, mas também ao próprio texto. Em vários momentos da peça, os personagens se comunicam por meio de frases com palavrões e fazem menção a situações escatológicas. Essa última situação se torna mais visível por meio de Jeremias, o cão de C, interpretado por Paulinho Serra. “Eu funciono como uma espécie de válvula de escape emocional para tudo o que a personagem C sente mas não consegue colocar para fora. Dentro desse contexto, falar de situações que são desagradáveis, e até escatológicas, é natural.”
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