Rio - No desfile do bloco (não digo qual para não comprometer nem a mim nem ao bloco), eu tomava um chope em copo de plástico — argh! — quando a melindrosa passou, me olhou e comentou com o ar mais sacana possível:
— Gostoso, hein, tio?!
O “tio” atravessou o samba e derrubou alguns sacos de areia do castelo, mas como Moacyr Luz e Aldir Blanc cantaram que “andorinhas fazem ninho nas ruínas”, dei um gole e criei coragem:
— Quem? Eu ou o chope?
Mas aí a bateria chegou com tudo, a melindrosa aproveitou o embalo e deixou a resposta para o ano que vem. Carnaval, desenganos.
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Noutros tempos — hoje já não sei como é que a banda toca —, a Cadeia Pública Municipal de Feira de Santana exibia a maior concentração de presos barrapesada do país. Cidade-entroncamento, passagem obrigatória da capital do estado para todo o interior baiano e viceversa, ali sempre foi território sedutor para a bandidagem.
Num fevereiro de outros tempos, o então prefeito resolveu conceder indulto momesco, liberando um time de assaltantes, traficantes, matadores, arruaceiros e ladrões de todos os tipos para brincar o Carnaval livremente — claro que com o compromisso de retornarem às suas celas na Quartafeira de Cinzas.
Depois de ganhar as ruas na sextafeira, consta que a turba foi imediatamente para a zona do baixo meretrício, que por ali atendia pelo sugestivo epíteto de Minadouro. Sacaram a semântica?
Pois ali a rapaziada do bonde do mal se juntou ao mulherio de plantão, na formação de um bloco carnavalesco que fez história. Divertiramse e ensaiaram duro duas noites e um dia, e no domingo se espalharam pela cidade, batucando em latas de banha e de leite em pó, com um samba-enredo que, cantado em dois tempos, ficou na memória dos grandes registros musicais que a folia proporciona.
Era assim: primeira parte, só os bandidos:
“Ó, neguinha, neguinha/ o que é que eu sou?”
Segunda parte, só as piranhas:
“Ladrão, maconheiro, estuprador!/ Mas é bonitim, é meu amor!”
(repete até cansar)
Quem me contou a história fechou assim a narrativa:
— Como você pode observar, a letra era curta, mas tinha um grande impacto.
Já foi dito que a alma humana é um tremendo mistério, e que nesta época do ano radicaliza. Carnaval, desenganos.