Por daniela.lima
João Pimentel%3A Rio de Janeiro%2C gosto de quem gostaNei Lima / Agência O Dia

Rio - Na semana passada, desabafei. Reclamei não da minha, da nossa cidade, que é maravilhosa desde que o Rio é Rio. Não por nós, moradores, cariocas de nascença ou por adoção. Reclamei do que não presta, e não preciso ficar repetindo aqui quais são os protagonistas de nossas mazelas sociais, culturais, esportivas. Hoje, vim aqui parabenizar a todos que mantêm o espírito anárquico, receptivo, festeiro e amável que faz com que sejamos referência mundial no quesito alegria. 

Um jornal amazonense entrevistou minha mãe, Maria Oiticica, para uma matéria sobre a turma de lá que escolheu o Rio para viver. Entre algumas respostas, ela lembrou um texto clássico de Millôr Fernandes: “O carioca, todos sabem, é um cara nascido dois terços no Rio e outro terço em Minas, Ceará, Bahia e São Paulo, sem falar outros estados, sobretudo o maior deles: o estado de espírito.”
Pois ela me falando sobre a sua entrevista, lembrando que só foi casada com dois cariocas, meu pai e meu padrasto, com quem vive há 30 anos, e que teve aqui seus dois filhos, e ainda que por aqui fez amigos e encontrou sua própria profissão, me fez ver o quanto eu ando rabugento com a minha cidade.

Como bom carioca que sou, posso resmungar, me indignar, sim. Mas não toquem no Rio perto de mim. E de nenhum carioca que se preze. E, como carioca, reconheço o violinista francês Nicolas Krassik, com seu português da Lapa; o argentino Jorgito Sápia, criador de sambas e de um bloco de Carnaval, assim como seu conterrâneo Doval, craque do Flamengo, do Fluminense e das areias de Ipanema, onde conquistou muitas namoradas e foi pioneiro do futevôlei. Vai falar mal do Rio para o mineiro de Leopoldina Noca da Portela; para o sambista Toninho Geraes; para o Milton, o barraqueiro do Posto Nove que veio fugido da repressão em seu país! Todos cariocas como eu e você.

Nem todos dão a sorte de entender esse espírito. Tem carioca da gema amarelinha que não entende esse espírito. Aí recomendo mesmo a ponte aérea, sem volta. Percebo agora que vivi dez por cento dos 450 anos da cidade. Sinto-me como se tivesse vivido mais. Vejo-me percorrendo Vila Isabel com Noel, vivendo os primórdios da Portela com o seu “professor” Paulo; batucando com os sambistas do Estácio e até assistindo à final da Copa de 1950. Devo ter vivido o suicídio de Getúlio, o Beco das Garrafas e a Bossa Nova, em Copacabana, os festivais da canção. Provavelmente, peguei em armas contra a ditadura ao lado do amigo combativo Cid Benjamin. Mas estive, sim, no Comício das Diretas; vi, no Maracanã com arquibancadas de concreto, o Flamengo de Zico ganhar tudo o que eu nem imaginava. E fui ser ‘gauche’ carioca na vida como o mineiro Drummond, o baiano Dorival e tantos outros.

Para o carioca, no Rio, não é necessário ter memória fotográfica. Tudo sugere mil legendas. O Cristo, o Pão de Açúcar, a Lagoa, cada praia, cada bairro, cada botequim, cada viela de morro. O carioca, de todas as procedências, não precisa sair do Rio para morrer de saudades.

A ‘Valsa de uma Cidade’ só poderia ter sido composta por dois cariocas de fé. Antonio Maria, nascido em Pernambuco, e Ismael Netto, por sinal criador do grupo Os Cariocas, nascido no Pará: “Rio de Janeiro, gosto de você/Gosto de quem gosta desse céu, desse mar, dessa gente feliz.”

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