Por daniela.lima
João Donato (de pé) e o cubano Chucho Valdés se apresentam juntos no domingoJoão Laet / Agência O Dia

Rio - Desde janeiro, todo último sábado do mês (portanto, amanhã) grandes instrumentistas brasileiros entopem de gente o Largo de São Francisco da Prainha, na Saúde. E, curioso, não se trata de mais uma das características rodas de samba, típicas da área e adjacências boêmias. O Festival do Porto existe há três meses e lá basicamente só se toca música instrumental, jazz e blues.

“Quanto mais eventos assim, com entrada franca, mais se contribui para a formação de plateia que os músicos tanto desejam. Garanto que é muito melhor do que isso de sertanejos, padres e Ivetes Sangalos que a gente só vê por aí!”, dispara o legendário saxofonista Mauro Senise, maior atração desta terceira edição do festival, que tem curadoria de Flávio Guimarães (o conhecido gaitista do Blues Etílicos) e apresenta ainda o TPM Jazz Trio com a participação do saxofonista Gaucus Linx.

Outros importantes nomes ligados ao jazz estão em cartaz na cidade neste fim de semana — fizemos uma busca e constatamos que o ritmo está superpresente na programação carioca. É quase um Jazz In Rio involuntário mesmo, como mostra o roteiro no boxe ao lado. Destaque para o encontro de João Donato com o cubano Chucho Valdés, na Sala Cecília Meireles (leia entrevista na outra página), e o veterano trompetista norte-americano Wynton Marsalis, estrela da edição comemorativa de 30º aniversário do mais longevo festival de jazz do país. Na Cidade das Artes, o ex-Free Jazz Festival, agora rebatizado como Brasiljazzfest, traz ainda o supergrupo norte-americano The Cookers, o quarteto do saxofonista porto-riquenho Miguel Zenón e os trios do pianista norueguês Tord Gustavsen e do brasileiro André Mehmari.

“Já trouxemos o Wynton duas vezes, mas com um grupo pequeno. Desta vez, ele vai tocar com a Jazz at Lincoln Center Orchestra, o que faz uma diferença grande, porque você tem outros solistas que também valem a pena, além do Wynton”, destaca Zuza Homem de Mello, um dos curadores do festival. “Outra banda que vale é o The Cookers, porque é um time de quatro sopros e a cozinha atrás, mas cada um é melhor que o outro!”, entusiasma-se ele.

Formado por um time de sonhos do jazz contemporâneo, o The Cookers reúne sete lendas do gênero. Eles se apresentam pela primeira vez no Brasil com um tributo a Lee Morgan, influente trompetista, morto precocemente em 1972, aos 33 anos, de forma trágica (sua mulher o matou a tiros em pleno palco). “Estou muito ansioso, por muitos anos ouço música brasileira e amo o (Antônio) Carlos Jobim. A música do Brasil é, definitivamente, uma das minhas favoritas, amo Milton, lembro do Deodato, Gismonti, eles são demais”, derrete-se, mostrando conhecimento, o saxofonista e clarinetista do Cookers, Bennie Maupin, que chegou mesmo a participar do último grupo de Morgan.
Senise comemora o fim de semana jazzístico, mas ressalta que ainda é preciso mais: “Outro dia, ouvi o secretário de Cultura dizer que tem que aumentar os espaços para o funk na cidade... No país de Pixinguinha, Paulo Moura, Altamiro Carrilho, não pode!”

TODO AQUELE JAZZ 

BRASILJAZZFEST
Hoje tem Wynton Marsalis e a Jazz at Lincoln Center Orchestra. Amanhã, é a vez de André Mehmari Trio e Tord Gustavsen Trio. Domingo, se apresentam Miguel Zenón Quartet e The Cookers. Cidade das Artes. Avenida das Américas 5.300, Barra da Tijuca (3325-0102). Hoje, às 21h30. Amanhã, às 20h30. Dom, às 20h. De R$ 50 a R$ 250. 18 anos.

FESTIVAL DO PORTO
Largo de São Francisco da Prainha s/nº, Centro. Amanhã, às 13h (oficinas de gastronomia). Shows a partir das 19h. Grátis. Livre.

JAZZTOPIA
O quarteto de jazz se apresenta todo domingo, a partir das 19h, no Armazém São Joaquim em Santa Teresa. Rua Almirante Alexandrino 470 (2507-6055). R$ 10. 18 anos.

JOÃO DONATO E CHUCHO VALDÉS
Os músicos apresentam o show ‘Conexão Brasil-Cuba’. Sala Cecília Meirelles. Rua da Lapa 47, Lapa (2332-9223). Dom, às 17h e às 20h, em duas sessões. R$ 60 (estudantes e maiores de 60 anos pagam meia). Livre.

MANOUCHE CARIOCA
O grupo reúne apaixonados pelo Gypsy Jazz, estilo de música surgido nos anos 30. Semente. Rua Evaristo da Veiga 149, Lapa (2507-5188). Hoje, às 22h. R$ 30. 18 anos.

MARIA TORO
A flautista e compositora espanhola tem destacada trajetória no flamenco e no jazz. Centro de Referência da Música Carioca. Rua Conde de Bonfim 824, Tijuca (3238-3831). Amanhã, às 19h30. R$ 20. Teatro Carlos Werneck. Aterro do Flamengo, altura do nº 300 da Praia do Flamengo. Dom, às 16h. Grátis. Livre.

SAMBAJAZZ TRIO
Grupo do pianista Kiko Continentino, virtuoso da banda de Milton Nascimento. Brasserie Rosário. Rua do Rosário 34, Centro (2518-3033). Hoje, às 18h30. R$ 10. 18 anos.

THAÍS FRAGA
A cantora interpreta clássicos de jazz e bossa nova. Beco das Garrafas. Rua Duvivier 37, Copacabana (2239-8357). Amanhã, às 23h. R$ 35. Livre.

TUDO TERMINA EM JAZZ
O grupo cria interpretações próprias para clássicos de diferentes estilos musicais, sempre com um toque jazzístico. Guarderya Beach Club. Rua Eurico Gaspar Dutra 211, Jurujuba, Niterói (2609-9843). Hoje, às 20h. R$ 15. 18 anos. 

CONEXÃO BRASIL-CUBA

Os sons brasileiros e cubanos têm lá suas raízes idênticas, vindas lá da África — e vão desembocar lá no jazz. Quem garante é a dupla João Donato e Chucho Valdés. O acreano e o cubano dividem o palco na turnê ‘Conexão Brasil-Cuba’, que iniciou ontem em Belo Horizonte e chega neste domingo ao Rio (na sala Cecília Meireles, em duas sessões). “Já ouviu os discos de ‘santeria’ (culto afrocubano)? Eles têm cantos muito parecidos com os da umbanda, além de reverenciarem as mesmas entidades. Lá tem Xangô, Iemanjá...”, lista Donato. Chucho conta uma história que mostra bem a união entre as duas culturas: “Uma vez levaram um... como se diz mesmo? ‘Babaláo’ (babalaô, sacerdote dos cultos afro)? Isso, um babalaô do Brasil, para conversar com seu equivalente cubano. Um não sabia falar em espanhol e o outro não sabia nada de português. Ficaram horas conversando em iorubá. É o traço de união.”

Donato conheceu Valdés pessoalmente em 2008, quando tocou no Festival Plaza Jazz, em Havana, dirigido pelo pianista cubano — seu show lá gerou o DVD ‘Nasci para Bailar — João Donato Havana-Rio’. Na época, não chegaram a tocar juntos por causa de problemas técnicos. Os dois têm em comum também um grande mestre: Bebo Valdés, pianista e compositor cubano (1913-2013), pai de Chucho. “Nos anos 50, eu o ouvia muito e me inspirava nele. Quando morei nos Estados Unidos, conheci muitos músicos cubanos, numa época em que o jazz estava em baixa”, conta João. “Meu primeiro emprego foi na orquestra do meu pai. Fiz um disco com ele em 2008, ‘Juntos Para Siempre’, e ganhamos um Grammy Latino!”, recorda Chucho.

No repertório da turnê (que vai virar CD ao vivo), estão sucessos de Donato como ‘Emoriô’ (parceria com Gilberto Gil) e ‘Nasci Para Bailar’ (com Paulo André Barata), dividindo o repertório com clássicos de Valdés e canções históricas de Cuba e do Brasil.

Colaborou: Ricardo Schott

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