Rio - Cinco anos de abstinência já eram um motivo e tanto para fazer qualquer fã surtar com a volta do Los Hermanos aos palcos, em 2012. Só que aquele não era apenas o final de um período sabático da banda. Poderia ser também a última turnê dela. O alvoroço começava: enquanto muita gente se estapeava por um ingresso, Maria Ribeiro pegou sua câmera e caiu na estrada com o quarteto — Rodrigo Amarante, Marcelo Camelo, Bruno Medina e Rodrigo Barba. Sua lente registrou não só que “a estrada vai além do que se vê”, mas um amor que só quem já se acabou em um show do grupo sabe explicar.
“Queria que as pessoas sentissem como era a turnê, o palco, a passagem de som”, explica a diretora de ‘Los Hermanos: Esse é o Começo do Fim da Nossa Vida’, que acaba de entrar em cartaz nos cinemas. Mas o documentário também põe em evidência uma legião de fãs, prontos para o que der e vier. Até encarar uma maratona de 50 dias pelo Brasil, 24 shows e comprometer todo o orçamento disponível para o resto do ano. Assim foi com o comerciante Léo Filippo, de 34 anos, apontado pela diretora como “fã número um que encontrou”.
“Quando soube da última turnê, decidi que a acompanharia inteira”, conta Léo, hoje com 74 shows no currículo. Mas engana-se quem acha que daí por diante foi só festa e cantoria. Os perrengues variam de desgaste físico intenso à falta de alimentação. Nem um minucioso estudo logístico foi capaz de impedir a exaustão — principalmente porque a intenção era ficar sempre colado ao palco.
“Às vezes, chegava com 12 horas de antecedência ao show’, diz Léo, que permanecia esse tempo todo sem comer, beber e ir ao banheiro. “Não sei dizer como conseguia. Já vi muita gente passando mal, desmaiando ao meu lado. O máximo que tive foi cãibra”, lembra-se ele, que, por coincidência, acabou dividindo algumas vezes o mesmo hotel e voo com a banda.
Por falar em desmaio, talvez a carioca Juliana Alves, de 35 anos, tenha sido uma das que caíram ao lado de Léo e ele nem saiba. “Em 2012, na Fundição Progresso, só senti o impacto do meu corpo no chão”, lamenta a fã. “O show deles é um momento de catarse. Você olha para os lados e percebe que está todo mundo emocionado, cantando todas as músicas.”
Aliás, há quem diga que o frenesi supera até os veteranos do rock. “Uma vez, li um blog que dizia: imagina um show do Rolling Stones, com eles tocando ‘Satisfaction’. Agora imagina isso 24 vezes: é o show do Los Hermanos”, faz coro o músico Vitor Hugo da Silva, de 33. Para ele, nada disso soa exagerado. Pelo contrário: Vitor é tão vidrado na banda que tem tatuagem com trecho de ‘Além do Que Se Vê’, fora o fato de que os 19 shows que assistiu foram cenário para acontecimentos marcantes em sua vida.
Em 2007, na última turnê antes do período de “férias” do quarteto, ele e a amiga Julia Sader, de 26, organizaram um encontro de fãs pelo finado Orkut. Foi lá também que a dupla conheceu seus respectivos ex-namorados. “Ele começou a namorar a minha melhor amiga. O tempo passou, eu casei, tive a minha filha (Maria Luisa, de 3 anos). Até que descobrimos que nossos ex-cônjuges estavam juntos”, diz Julia.
E os rolos envolvendo relacionamentos e Los Hermanos não pararam por aí. Casado atualmente com a fonoaudióloga Lívia de Gouveia, de 29, Vitor fez dela fã por osmose. Até a amiga Thais dos Prazeres, com quem divide a banda Aditiva, ele fez dar o braço a torcer em relação à qualidade do som dos barbudos.
“Vitor sempre falava: Los Hermanos é a minha religião. Aí eu dizia: ‘Cala essa boca, cara, você só fala deles!’ Até que fui baixar uma música no meu celular e, por engano, baixei Los Hermanos. Ouvi e fiquei louca”, recorda-se Thais, de 28, que não vê a hora de conferir o primeiro show de seus novos ídolos, na turnê que começa em novembro.
A SAGA DE MARIA
Maria Ribeiro frequentava a PUC na mesma época em que os integrantes do Los Hermanos estudavam lá. Mas foi só quando ouviu ‘Bloco do Eu Sozinho’, segundo disco da banda, que ela simplesmente “pirou”, como a própria define. Foram anos de insistência para fazer um documentário sobre o quarteto. Mas, quando já havia se conformado com o não, veio a surpresa.
“Eles sempre disseram que não tinha nenhuma chance de rolar. Uma vez, dei uma entrevista e falei da vontade de fazer o filme. Para não acharem que era pressão, escrevi para o Camelo. E ele disse que até que não era má ideia”, lembra a atriz e diretora. “Me deu um certo pânico. Eles têm uma natureza avessa a isso. Documentário é tipo ‘Big Brother’.”
O jeito foi chegar de mansinho, sentindo o clima para não cometer nenhuma gafe. “Em momentos de intimidade, eu desligava a câmera. Tentei usar minha sensibilidade”, conta Maria, que se surpreendeu com o jeito despojado de cada um.
“Eles têm uma cumplicidade incrível, não se comportam como popstar. Têm uma coisa amorosa, familiar, nunca se envolveram com o esquema mainstream. Preservaram a vontade de fazer um som acima do querer fazer sucesso”, elogia.