Por daniela.lima

Rio - Na pele, na música, na culinária ou nos cabelos crespos e enrolados, há muito tempo a cultura afro tem suas raízes fincadas em solo brasileiro. Mas, de uns tempos para cá, suas manifestações têm sido cada vez mais exaltadas. Não somente ontem, quando se comemorou o Dia da África, como também durante toda a semana com o 8º Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul, que teve o seu recorde de concorrentes nacionais para a programação de 2015, que acontece de amanhã até o dia 3 de junho, no Odeon — Centro Cultural Luiz Severiano Ribeiro. 

Curta-metragem de Clementino Junior%2C ‘Jurema’%2C que mostra como é feito o ritual da umbanda de mesmo nome Divulgação

“Recebemos o triplo de filmes este ano. Isso nos apontou um crescimento do cinema negro, principalmente na Bahia, em São Paulo e no Rio de Janeiro”, explica o curador do festival, o cineasta e pesquisador Joel Zito. A última edição era formada por 37 filmes. Nesta, foram selecionados 33 trabalhos de realizadores negros brasileiros e mais 30 de diretores estrangeiros, incluindo da África e da diáspora dos EUA, Cuba, Caribe e Europa. 

Para Joel, a efervescência atual da cultura afro não é apenas um ‘boom’ momentâneo. Ela é fruto de sementes plantadas há pelo menos quatro décadas. “Há vários fatores que levam a isso, como os movimentos negros dos anos dos anos 70. Hoje, essa representação já parte dos filhos do pessoal dessa época. Há uma consciência racial mais aguçada”, acredita o curador, que também ressalta as mudanças econômicas do país. 

“O negro está mais presente na universidade se comparado às gerações passadas. Há uma demanda forte para alimentar uma produção cultural que valorize sua autoestima”, diz o curador, que enxerga o reflexo dessa autoestima através da diversidade dos temas retratados nos longas e curtas-metragens do festival. “Vimos de tudo. Há histórias políticas, de amor, temas gays...”, lista o curador.

“Os documentários africanos falam muito da situação política do continente. Já entre todas as ficções, há uma grande gama de assuntos”, diz ele, destacando o filme de abertura ‘Onã’, do coletivo brasileiro Crua — feito em 72 horas em cenários do Cais do Porto, como Pedra do Sal e Morro da Conceição — e o longa que será exibido no dia 28: ‘O Preço do Amor’, de Hermon Hailay, da Etiópia, sobre um taxista que se apaixona por uma prostituta.

Se a representação do negro era estereotipada e desvalorizada pela maioria das produções até a década de 80, atualmente sua situação mostra-se diferente. “Temos a incorporação desses atores e suas belezas. Mas ainda estamos longe de uma posição justa”, alerta ele, que continua vendo o negro ser minoria na produção audiovisual daqui. 

“Convivemos por muito tempo com o mito de que éramos uma democracia racial. Isso nos imobilizava para reagir contra o racismo e desestimulava o negro a ser negro. Havia uma ideologia do branqueamento”, analisa Joel. “O festival oferece uma janela para entendermos o que acontece com a gente, com a África e com toda a sua diáspora”, define ele, fazendo questão de ressaltar o caráter de troca do evento.

Durante todo o festival, além das sessões a preço popular (R$ 4), haverá debates e bate-papos abertos ao público com a presença de 13 realizadores estrangeiros e 20 nacionais. “As pessoas são muito diferentes, mas há temas muito parecidos para todos, iguais em todas as culturas. A diferença é a forma como eles vêm à tona”, conclui. 

SABOR AFRICANO 

Se o encontro do audiovisual afro é no Odeon — Centro Cultural Luiz Severiano Ribeiro, o de sabores é na Praça Tiradentes. No sábado, das 10h às 18h, acontece a primeira edição da Feira Cultural e Gastronômica Paladares de África. Por lá, a ordem será o intercâmbio de costumes da Angola, do Brasil, Congo e de Cabo Verde.

“Utilizamos a culinária como um segmento de identidade tradicional de cada país do continente africano, que é passada de geração a geração, e no exterior serve para preservar e manter viva as nossas tradições”, defende o Cônsul da Angola, Rosário Ceita. 

Iguarias como muamba de galinha e papa de milho, peixe seco e fungi de bombo são alguns exemplos do que estará no cardápio do evento. Mas a programação vai além dos temperos, com desfile de moda, artes plásticas, artesanato, danças típicas, o show do cantor angolano Sergio Zola e o kuduro, representado pelo som dos DJs angolanos PJeff Billy e Josy Canekella; Emanuel Tomaz, de Cabo Verde; e Tárcio Ceita, do Congo.

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