Por tabata.uchoa

Rio - Quando a cumplicidade entre pai e filho transcende os laços de sangue significa, pelo menos para Antônio Fagundes e seu filho Bruno Fagundes, que isso pode render bons frutos no trabalho. Pela segunda vez juntos no teatro, os atores estreiam hoje, no Sesc Ginástico, a peça ‘Tribos’, que ficou dois anos em cartaz em São Paulo, teve 200 mil espectadores e passou por 26 cidades.

“Quando me perguntam se é fácil trabalhar com o filho, logo penso: ‘Esse aí deve ter tentado e não deu certo’”, diverte-se Antônio, que completa 50 anos de teatro em janeiro do ano que vem. “Uma vez, me falaram que eu ia completar meio século, me assustei com a expressão. Nada de meio século, deixa 50 anos mesmo”, pede, com bom humor.

Antônio Fagundes e Bruno Fagundes contracenam em 'Tribos'João Caldas / Divulgação

Bruno endossa o coro do pai. “Se a gente está repetindo a dose (a dupla já encenou ‘Vermelho’), é porque deu certo. Meu pai é um parceiro maravilhoso, atento, generoso”, avalia Bruno. Foi o filho que sugeriu a montagem do espetáculo, com texto da inglesa Nina Raine. “Assisti em 2012, em Nova York, e fiquei arrebatado. Assim que saí da peça, liguei para o meu pai e disse: ‘Já temos um novo texto.’ Um ano depois, estávamos estreando.”

Fazendo da produção uma grande metáfora sobre a surdez, a peça também critica a não aceitação das diferenças. “Qual o pior tipo de surdez: a física ou a intelectual?”, questiona Bruno. E se o tempo é de intolerância, Antônio tem uma teoria sobre o assunto. “Estamos na era da informação, mas nunca fomos tão surdos, cegos e mudos. A internet, que é uma ferramenta maravilhosa, está sendo muito mal usada. Ela vem acabando com relações, deixando as pessoas cada vez mais idiotas e solitárias, a palavra está sendo destruída”, justifica.

“O Twitter, que determina um pensamento em 140 caracteres, está ultrapassado. Agora querem o Instagram, onde colocam uma foto de batata-frita com a legenda ‘nham nham’. Daqui a pouco vamos virar macacos, pulando nos galhos, mas cheios de tecnologia nas mãos”, adverte.

Na trama, Bruno vive Billy, o jovem surdo, e Antônio, Christopher, seu pai politicamente incorreto. “É uma comédia perversa. A plateia ri das colocações desse homem, que, apesar de ter muitos preconceitos, acaba sendo honesto. Ele não quer ouvir ninguém, é um pequeno ditador intelectual. Esses são os piores”, analisa Antônio. O ator, aos 66 anos, traz à tona a discussão sobre a dificuldade de se manter diálogos nos dias atuais.

“Antes, a família sentava em frente à TV, via o mesmo produto e depois conversava sobre aquilo, porque todos viram. Hoje, é difícil encontrar duas pessoas que viram a mesma coisa. Temos muitas opções, e isso vai te isolando. Eu pergunto: ‘Você viu isso? Viu aquilo?’ As pessoas respondem: ‘Não.’ Então, acabou o papo”, lamenta o veterano.

A deficiência auditiva de seu personagem ampliou os horizontes de Bruno, que aprendeu durante um mês a língua dos sinais e uma fala bem diferente da que está acostumado. “Não queria gestos inventados. Na peça, Billy sofre com a oralização. Foi um processo desafiador ir atrás de uma fala que soa estranha aos nossos ouvidos”, explica Bruno, que comemora o fato de estar em uma temporada popular, com ingressos a R$ 20.

“Conseguimos fazer isso porque o Sesc comprou nossos ingressos e colocou o preço dele. É maravilhoso reunir mil pessoas durante uma hora e vinte minutos e conseguir que elas fiquem quietinhas. É uma revolução, hoje em dia, conseguir ser o foco da atenção. Me emociono quando vejo que estão atentos”, confidencia Antônio, que também aproveita para criticar o sistema da meia-entrada nos teatros: “É um absurdo o produtor não poder controlar o seu preço. Ninguém é imbecil de cobrar menos que gastou. Eu sei quanto custou e sei o quanto eu quero de lucro (ele e o filho também são os produtores da peça). Como pode o governo interferir sem te reembolsar? Eles faturam em cima do trabalho do outro que está ali, morrendo”, acrescenta.

E logo vem a defesa. Para Antônio Fagundes, o teatro é realmente uma arte elitista. “Teatro é limitativo, até pelo número de pessoas que estão na plateia. Ele é elitista, sim. Quem assiste ao espetáculo é quem tem mais interesse. Se queremos teatro popular, temos que ter teatros públicos, que o governo sustente. Na Broadway, os espetáculos não custam menos de 250 dólares. Aqui, a média é R$ 80. A mídia contribuiu muito com essa política de que o teatro está caro. Mas um ingresso para ver luta de MMA custa R$ 750, e nunca vi ninguém reclamando que está caro”, desabafa o ator, que em breve poderá ser visto na série ‘Dois Irmãos’, da Globo, sob a direção de Luiz Fernando Carvalho. Na trama, ele é o árabe Halim, pai dos gêmeos Yaqub e Omar, interpretados por Cauã Reymond.

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