Por karilayn.areias

Rio - Um taxista sambista foi o inspirador de ‘Bandeira 3 — Arte Além do Volante’, curta (15 minutos) que Fabrício Menicucci e Rafael Bacelar rodam este mês, para exibição ainda este ano no Canal Futura. “Era um sambista da velha guarda. Nunca mais o vimos, mas ele nos mostrou um mundo de artistas que dirigem táxis para sustentar seus trabalhos como músicos, fotógrafos, escritores etc”, lembra Fabrício.

Os diretores do curta%3A Rafael (E) e Fabrício (o quarto da esquerda)%2C e os personagens Marcelo (o segundo)%2C Fábio%2C Kadu (com a máquina) e CapoeiraDivulgação

Pois é: se Roberto Carlos, em ‘O Taxista’, cantava que os motoristas de táxi não estão no palco mas no asfalto são artistas, tem muita gente que faz arte na vida e no trânsito. “E há taxistas que se consideram artistas, mas tem gente que fala: ‘Estou dirigindo, mas sou mesmo é ator’, como se o táxi fosse apenas uma maneira de viabilizar a arte”, revela Rafael Bacelar. Se os perigos de trabalhar transportando desconhecidos são evidentes (assaltos, acidentes), por outro lado é uma vida bastante livre. “Não há patrão e há flexibilidade de horário. Dá para trabalhar de madrugada com renda considerável. Na nossa pesquisa, descobrimos artistas conhecidos que dirigiram táxis, como Jorjão Barreto (tecladista da Banda Black Rio) e o rei do samba de breque, Moreira da Silva”, conta Fabrício, que ainda busca mais personagens para o curta. “Já criei até uma página para o filme (www.facebook.com/doctaxishow) para fazer mais contatos”.

Para Kadu Niemeyer, 61 anos e personagem de ‘Bandeira 3’, o táxi veio bem depois da fotografia. Neto do arquiteto Oscar Niemeyer, ele aprendeu a fotografar com o avô e realizou várias exposições de fotos de suas obras, como ‘Niemeyer Por Niemeyer’ e ‘Oscar Niemeyer: Arquiteto, Brasileiro, Cidadão’. “Morei com ele na Europa, viajei com ele para Cuba. Ele me influenciou muito, artística e politicamente”, conta. Após um baque financeiro, tentou o táxi e gostou.

Ainda assim, o trabalho com as fotos continua: recentemente, preparou o livro ‘Curvas’, em que atrizes como Luana Piovani, Carol Castro e Letícia Spiller posaram para ele (sem cobrar cachê) encarnando as famosas curvas dos desenhos do avô. “Estou à procura de patrocínio para o livro”, diz. Mesmo orgulhoso da obra, não sai mostrando o material para os passageiros, não. “Não dá para levar iPod no carro por causa dos assaltos. Quero também fazer um trabalho fotográfico para o Dia do Taxista (25 de julho), com câmeras registrando o dia no trânsito”.

Quem também tem um livro escrito é Fábio dos Santos, 40 anos. ‘Memórias de Um Taxista’ (Ed. Jaguatirica, 121 págs, R$ 35) fala das histórias que viveu após vir de Manaus, só com a roupa do corpo, para assistir a uma partida entre o seu Flamengo e o Vasco. “Dormi em banco de praça, mas graças a Deus consegui ficar no Rio”, lembra Fábio, que pulou de emprego em emprego, juntou dinheiro para alugar um táxi e não parou mais. Nem no volante, nem na arte: membro da ala dos compositores da Acadêmicos do Grande Rio, ele escreveu um samba-enredo sobre a vida dos taxistas (baseado em seu livro), ‘Sou Taxista, Seu Guia Turístico’.

“A letra foi montada com depoimentos de passageiros. Ia ser o samba de 2016 da escola, mas ficou para 2017”, conforma-se Fábio, que transforma seu livro numa peça. “O nome vai ser ‘Memórias de Um Taxista — Bandeira 2’. Estou fazendo o roteiro”.

Também presente no filme, o radialista-taxista Marcelo Fernandes, 38 anos, apresenta o programa de rádio online ‘Taxiando’ (taxiando.com) e já foi reconhecido por passageiros. “Um cliente que peguei no Santos Dumont disse que era ouvinte do programa”, alegra-se Marcelo, que foi para o rádio graças à popularidade que o volante dá. “Fiz muitos amigos e tive vontade de criar um programa para eles. Alerto os taxistas sobre as dificuldades da profissão, sobre questões como o Über. Já bato nessa tecla do Über há bastante tempo”, conta Marcelo. Ele também trabalha desenvolvendo aplicativos, o que facilitou para criar o programa online.

Antonio Carlos Martins, 51 anos, o Capoeira, também está no filme, e é outro que se vira nos trinta: é mestre de bateria da Império da Tijuca, tem uma empresa de criação de camisetas e abadás e diz que o segredo é dividir o tempo entre arte e táxi. “Nunca fico sem fazer nada”, conta ele, explicando que mesmo o amarelinho (como os táxis cariocas são chamados) é um emprego caro. “Ganho até R$ 40 por hora trabalhada e tenho gastos fixos de R$ 1 mil por mês com manutenção. Mas a maior despesa é com multas, que chegam a R$ 3,5 mil. Há multas injustas. Trabalho para uma senhora cadeirante e toda vez que vou pegá-la na porta de casa, a guarda municipal fica de olho”, reclama.

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