Por karilayn.areias
‘Memória Afetiva do Botequim Carioca’ mapeia a cultura e a história do Rio que nasce nas mesas dos bares da cidadeDivulgação

Rio - Botequim (ou bar, enfim) não é só o lugar onde se bebe e come. “No Rio, os botequins têm relação com a cultura da cidade. São lugares de resistência. Vê só os sambistas no Bip Bip (bar de Copacabana), ou botequins que resistem ao tempo, como o Lamas (do Flamengo) e o Bar Luiz (da Rua da Carioca)”, enumera o jornalista Zé Octávio Sebadelhe, que divide com o colega Paulo Thiago de Mello o livro ‘Memória Afetiva do Botequim Carioca’ (Ed. José Olympio, 260 págs., R$ 65), lançado hoje na Livraria da Travessa de Ipanema, às 19h.

Mais do que tudo, a dupla — indo das primeiras boticas, tendinhas e quiosques instalados na cidade, numa viagem que remonta aos antigos traços portugueses no Rio — diz ter entrado numa máquina do tempo que exibiu as mudanças na cidade e em suas diversões. “Nosso livro é sobre a boemia carioca e suas histórias. Você pode identificar uma cultura local pelas suas formas de lazer, e também sua história. Depois do prefeito Pereira Passos (1902-1906), a cidade passa a ter um Centro, e tudo ali irradia”, diz Paulo, colocando a região central e suas adjacências como protagonistas na memória dos bares do Rio. “Como o Zicartola (ativo no Centro nos anos 1960), em que o Cartola reapareceu ao lado de sua mulher Dona Zica, e ainda trouxe de volta todos os sambistas dos morros, que estavam desaparecidos após o sucesso do samba no rádio dos anos 1920, 1930. Paulinho da Viola começou sua carreira lá”, completa Paulo.

Na Zona Sul sessentista ficaram famosos bares de Ipanema como o Mau Cheiro (frequentado pela segunda geração da Bossa Nova), o Jangadeiros (onde a Banda de Ipanema comparecia em massa) e o Antonio’s, que reunia famosos e anônimos. “Você estava lá e o Boni, o Chico Buarque ou o Roniquito de Chevalier (boêmio célebre) estavam na mesa ao lado!”, alegra-se Paulo, lembrando de uma vez em que o bar foi assaltado e todos, conhecidos ou não, foram trancafiados pelos bandidos no banheiro. “Começaram a gritar lá de dentro para os ladrões levarem as contas que estavam penduradas!”, brinca.
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A viagem da dupla inclui lugares que precisaram dar espaço para o “progresso”, como a Taberna da Glória e o primeiro Bar Lamas, ambos desalojados por causa de obras do metrô. Ou imagens raras dos primeiros botequins, misturas de bar com armazém de secos e molhados — uma das enfocadas pelo livro, a Tendinha Águia de Ouro, existiu justamente na região derrubada para a construção da Avenida Presidente Vargas. A origem do termo ‘botequim’ também é investigada pela dupla. Teria surgido em 1808 e viria das boticas (primeiras farmácias) onde pessoas faziam reuniões.
A estigmatização dos botequins já data do século 19 e definiu a maneira como esses estabelecimentos são vistos até hoje. “Nessas boticas as pessoas compravam remédios e alguns eram produzidos com álcool de cana. Eram lugares que ameaçavam o estatuto colonial. Era comum haver bares nos lugares onde os bondes faziam a curva. E já eram pontos tidos como ‘lugares de cachaceiro’”, conta Zé Octávio, citando a região do Ponto dos Cem Réis, em Vila Isabel, onde há até hoje o Bar Capelinha, frequentado por Noel Rosa e seus parceiros.
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Escrito em menos de um ano (“investi meu fígado no trabalho!”, brinca Paulo), o livro remonta a 1997, quando a dupla começou a trabalhar no projeto Rio Botequim, que mapeava bares. “Na época, se chegássemos num bar e o chamássemos de botequim, o dono ficava bastante irritado. O termo era pejorativo. Mas isso mudou”, brinca Zé Octávio.
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