Por karilayn.areias

Rio - Pode acreditar: andando pela Tijuca, um dia desses, você pode avistar um emocionado Ed Motta dando um rolê pelo bairro, de táxi. “Fui criado lá, minha irmã ainda mora lá. Adoro pegar um táxi e fazer uma corrida na Tijuca sem rumo, ‘anda por aqui, desce a Rua Professor Gabizo, desce não sei o quê’. Eu até choro no táxi”, brinca o cantor, 44 anos, lançando seu 12º disco, ‘Perpetual Gateways’, o segundo a sair pelo selo alemão Membran (no Brasil, pela Lab344). Ed voou longe, mas sem esquecer das galerias da Praça Saens Peña, onde comprava LPs nos anos 80. “Os ingleses usam o termo ‘snob’ (esnobe) como uma coisa boa. No Brasil, ele é mal interpretado. Os tijucanos são ‘snobs’ do rock, que conviviam com galerias vendendo discos de rock progressivo super obscuros”.

Ed Motta%3A 'Acabo fazendo política com minha arte. Um disco como esse é política%2C e é subversivo pra cacete!'Divulgação

As pesquisas musicais do comprador de discos Ed acabam se refletindo na parte mais recente de sua discografia, com álbuns diferentes um do outro — um mais pop, outro instrumental, um voltado ao rock etc. Produzido pelo americano Kamau Kenyatta, gravado na Califórnia e repleto de músicos-ídolos de Ed (como o pianista Gregg Phillinganes, que trabalhou com Michael Jackson), ‘Perpetual’ o flagra fazendo sons próximos do jazz. “Eu mudo bastante de opinião. E a música vem totalmente natural. Nem penso: ‘Agora vou fazer desta forma’”, conta o cantor, pela primeira vez responsável por todas as letras, em inglês.

"Adoraria escrever em português, só que é mais difícil. A língua latina é mais complexa”. Com o decorrer do trabalho, Ed foi conseguindo contar histórias como as das letras de ‘Overblown Overweight’ e ‘Hypocondriac’s Fun’, nas quais brinca com temas como irritação com barulhos de celulares e hipocondria. “Minha vida toda eu dizia que ‘a letra não é importante no meu trabalho!’. E nunca foi. Agora sempre que me perguntam de letras em entrevistas fico animado”, brinca.

Capa de seu novo disco%2C gravado nos Estados Unidos e voltado ao jazzDivulgação

Ed encontrou um bom mercado na Alemanha. O país acabou sendo uma opção à crise vivida no Brasil. “Nos últimos dez anos, as coisas não estão fáceis para mim”, conta. Em 2015, ele deixou fãs e não-fãs irritados com uma postagem no Facebook, às vésperas de uma turnê fora do Brasil, solicitando aos fãs brasileiros que não pedissem o sucesso ‘Manuel’ nos shows estrangeiros.

“Uma moça me falou no meio daquela confusão de Facebook algo como: ‘Você se acha o último biscoito do pacote, mas fez show de inauguração de árvore de Natal no shopping’. Eu respondi: ‘Tenho que trabalhar’ (risos). Eu não escolhi isso, e também não escolhi que eu tinha que fazer show, mas tenho que pagar minhas contas. Um cara como o Paul McCartney, é evidente que ele ama fazer show. Mas eu acho incrível é a vida do escritor, que não está todo fim de semana tendo que cantar os três primeiros parágrafos do livro. Imagina repetir um livro que fiz aos 15 anos?”, diz, referindo-se a ‘Manuel’, gravada na sua adolescência. Seja como for, se diz arrependido. “Me coloquei mal demais. Uma parte da mídia espalhou isso de forma maldosa, como se a mensagem fosse ‘o Ed Motta não quer brasileiros no show’. Alguns colegas teoricamente famosos se aproveitaram disso para se passarem por santos”.

Ed acompanha o noticiário da crise, mas diz não se interessar por política. “Acabo fazendo política com minha arte. Um disco como esse é política, e é subversivo pra cacete! Tem gente que discursa horas sobre política, mas quando vai fazer arte, parece um refrigerante enlatado, horroroso”, diz, rindo.

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