Por tabata.uchoa
Rio - Tensão, brigas, experimentações, crises criativas, discussões de relação, rebeliões, insubordinação... Quando a Legião Urbana entrava em estúdio, acontecia de tudo. “No começo, a Legião não tinha experiência de estúdio e a gravadora não estava acostumada com o som deles, próximo do punk rock. Todos precisaram aprender muito uns com os outros”, conta a jornalista Chris Fuscaldo, que desvenda as histórias de gravação do grupo disco a disco em ‘Discobiografia Legionária’ (Ed. Leya, 216 págs, R$ 39,90), lançada pouco antes de o grupo, em sua versão comemorativa de 30 anos do primeiro álbum, levar a turnê ‘Legião Urbana — XXX Anos’ para o Circo Voador, sexta, sábado e domingo que vem.
A nova LegiãoFernando Schlaepfer / Divulgação

Chris já havia apurado boa parte das histórias sobre a banda ao escrever os textos que acompanhavam os relançamentos em CD e vinil dos discos da Legião lançados em 2010, a convite da antiga gravadora EMI (hoje os discos estão no catálogo da Universal). Prosseguiu o trabalho e fez o livro por acreditar que os textos mereciam chegar a um maior número de pessoas.

“A sensação que eu tive durante as entrevistas foi a de que eu estava dentro do estúdio com a banda”, conta Chris, que ouviu Dado e Marcelo Bonfá (bateria), além de Mayrton Bahia, e entrevistou personagens pouco lembrados, que fizeram diferença na história da banda. Um deles, Amaro Moço, técnico de som acostumado a discos de sambistas como Roberto Ribeiro e Clara Nunes, ajudou a criar o som da Legião no estúdio. Já Reginaldo Ferreira, fã que virou assistente de Renato, recebeu numa noite em 1992 a incumbência de comprar latas de tinta azul em spray — o material foi usado por Dado, Renato e Bonfá para pichar todo o andar da diretoria da EMI, num ato de rebeldia contra uma coletânea que seria lançada sem autorização da banda.
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COPIA E COLA
Discos como ‘Dois’ (1986) e ‘Que País É Este — 1978/1987’ (1987) deram trabalho. Produtores como José Emílio Rondeau, Mayrton Bahia e o próprio guitarrista do grupo, Dado Villa-Lobos, penaram ao cuidar de álbuns da banda. “O Mayrton precisou copiar e colar trechos de fitas e montar uma música que a banda não estava conseguindo gravar”, conta Chris, que descobriu que a parte final de ‘Quase Sem Querer’ incluiu trechos tirados de outras gravações. Mayrton teve de dar broncas trágicas em Renato, quando o vocalista se recusou a fazer uma letra inédita para o disco ‘Que País É Este’ (Renato escreveu a letra do que seria ‘Angra dos Reis’ num papel amassado e entregou com um irado “toma, tá aí sua música!”) e quando ele, após horas reprovar várias mixagens feitas para ‘Monte Castelo’, desligou a mesa de som do estúdio. “Por outro lado, descobri que Renato não era um líder intransigente e que muitas músicas começaram a partir do Dado e do Bonfá. O Renato precisava deles. Ele delegava funções na banda”, conta Chris.
DOCUMENTÁRIO A CAMINHO
‘Discobiografia Legionária’ não é autorizada ou desautorizada pela banda. Dado Villa-Lobos, entrevistado pela jornalista, diz que nem leu. “Lembro da Chris quando ela fez os textos que vieram nos relançamentos. Ela fez uma grande pesquisa”, elogia o guitarrista, também preparado para documentar sua banda. Sem data para sair, ele e Bonfá preparam um filme sobre a turnê ‘Legião Urbana — XXX Anos’.
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“Vamos pegar a reação do público com as músicas. Tem sempre histórias de fã em relação a alguma canção da Legião”, conta Dado. Material humano não falta: se nos anos 1980 e 1990 a Legião Urbana fazia esparsos shows, dessa vez Dado, Bonfá e os novos companheiros (o cantor André Frateschi, o baixista Mauro Berman e o guitarrista Lucas Vasconcellos) fizeram diferente. “Foram 90 apresentações em um ano. Fomos a Teresina, Macapá, São Luís do Maranhão. Com o Renato eram no máximo 20, 30 shows num ano”. No Circo, a procura fez o grupo abrir uma data extra, no domingo — uma matinê, às 18h, em que pais podem levar filhos de até 10 anos.
Dado prepara um novo disco solo que sai em março, com parcerias com amigos como Adriana Calcanhotto e o gaúcho Nenung. “É um disco que fala muito sobre fogo, sobre a fascinação que ele traz. Digamos que é um disco bem quente”, brinca. DVD da turnê de 30 anos, ou CD de inéditas, não vão sair. “Temos uma relação com o herdeiro do Renato (Giuliano Manfredini) que é a pior possível e não nos interessa estender esses laços. Dia 30, encerramos a turnê em Caraguatatuba (SP) de forma honesta. É o que vai ficar registrado”, diz.