Por gabriela.mattos

Rio - Quando Carol Duarte fez o teste para viver Ivana — a personagem que ao longo da novela ‘A Força do Querer’, da Globo, vai se revelar um transexual homem —, a atriz sabia a dimensão da oportunidade que tinha à sua frente.

"As pessoas estão morrendo na rua, sendo apedrejadas como o caso da Dandara — Dandara dos Santos, de 42 anos, travesti que foi agredida com chutes, pauladas, e assassinada a tiros em fevereiro, no Ceará. Então, me move muito como atriz e como artista estar numa novela das nove levando essa questão para a sala de estar das pessoas, que certamente vão discutir entre a família e isso é o principal: falar sobre isso, porque é uma questão muito importante”, conta a paulistana, que chegou ao Rio de Janeiro em setembro do ano passado.

Ivana (Carol Duarte) diante do espelhoDivulgação

Estreia na TV

Em sua estreia na TV, Carol conta que a repercussão da personagem tem sido positiva. “Algumas pessoas me mandam mensagem dizendo que vivem coisas muito parecidas com a Ivana, ou pessoas que namoram, que têm filhos, que têm amigos que são trans e estão sofrendo de alguma forma e com a novela passam a dizer mais sobre o que estão vivendo, começam a dialogar mais. Outras pessoas me mandam mensagem porque estão buscando mais informações a respeito da transexualidade. No país que mais mata transexuais, falarmos disso é primordial. A Ivana ainda vai passar por muitas coisas junto com o público, e eu estou animadíssima pra dividirmos tudo isso”, vibra a atriz, de 24 anos.

Busca por psicóloga

A partir do dia 9 de maio, Ivana começa a frequentar uma psicóloga (Ester Jablonski). No consultório, a profissional diz que gostaria de entender o motivo de Ivana gostar de usar o pijama do irmão dela, Ruy (Fiuk). A garota diz que simplesmente gosta e não sabe se tem um porquê. A psicóloga diz que tudo tem um motivo. Logo depois, ela pergunta sobre o relacionamento de Ivana com a mãe, Joyce (Maria Fernanda Cândido).

Ivana responde: “Quando eu era pequena, ela fez de mim uma miniatura dela! Botei o primeiro salto alto com meses de idade, acredita? Não é que eu andava de salto, claro... Mas eu tinha um salto que ela mandou buscar nos Estados Unidos, sei lá... Vou te trazer as fotos! Me botava numa almofada cheia de colares, de florzinha, calçando aquela aberração”, lembra. E a psicóloga avalia: “Você cresce e rejeita de uma vez só, não a sua mãe, a pessoa dela, mas todo esse universo feminino de babados, rendinhas que ficaram marcados em você como símbolos de uma opressão”.

A moça então abre o coração. “Cheguei até a pensar que eu era lésbica, só porque não curtia essas coisas. Mas eu não sou lésbica, não tenho atração nenhuma por mulher. Então, não posso ser lésbica. Posso?”, questiona. A especialista pondera: “Por outro lado, você parece ter uma fixação no seu pai. Tudo isso, aliado a se sentir incompreendida pela mãe, pode levar você a se aproximar, a se sentir mais confortável no universo masculino. Já pensou que isso pode estar na raiz desse antagonismo com seu próprio corpo?”, indaga.

Carol Duarte e Maria Fernanda Cândido durante cena na novelaDivulgação

Libertação

Para a intérprete, a descoberta de Ivana em ser transgênero será gradual. Ela confessa que sabe até um ponto da trama e que, nesse primeiro momento, a personagem segue confusa tentando entender o que está acontecendo com ela e com essa dificuldade nessa ligação do corpo com a cabeça. “A gente ainda não sabe exatamente, mas eu estou muito animada para essa transformação. Vai ser algo muito bonito. A Ivana vai se libertar de certas coisas, e ela vai passar a entender o mundo dela, e creio que será muito feliz”, torce.

Encontro com trans

Antes de começar a gravar a novela de Gloria Perez, Carol fez uma intensa pesquisa sobre o mundo transgênero, inclusive usou bastante o YouTube (“Têm muitas pessoas hoje que fazem vídeos, pessoas antes da transição, antes de tomar testosterona”, diz) e leu alguns livros. “Li ‘Viagem Solitária — Memórias de um Transexual 30 Anos Depois’, do João Nery, ‘Problemas de Gênero’, da Judith Butler, e alguns artigos. Assisti a alguns filmes como ‘A Garota Dinamarquesa’, ‘Meninos Não Choram’, ‘Tomboy’ e tem uma série chamada ‘Transparent’, que é muito legal. Conversei com pessoas trans, principalmente homens trans para entender cada história e entender a história da Ivana”, detalha.

Mais oportunidades

Desses encontros, a atriz conta que todos foram muito intensos, porque os relatos são muito fortes. “As pessoas que vivem essa transição e vivem de maneira muito intensa socialmente são marginalizadas, e dificilmente você vai vê-las como advogados, médicos. Elas são afastadas da sociedade. A parte da população trans que tem oportunidades e cargos é rara. O legal da novela é que atinge um público muito diverso”, salienta.

Luta continua

Carol diz que o preconceito é algo que, infelizmente, está em evidência. “Nós, mulheres, sofremos com o machismo que está aí todos os dias e parece que sempre temos que provar alguma coisa para mostrar nosso valor. A luta contra o preconceito existe, seja por trans, homos, mulheres, negros”, frisa.

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