Por marlos.mendes

Milton Gonçalves é um ícone da dramaturgia brasileira. Suas lembranças e caminho trilhado nas artes são um exemplo inspirador. Orgulhoso de sua família e carreira, nos deu uma linda entrevista. Sorte a nossa!

Como iniciou a carreira?

Minha formação era teatral. Sou mineiro, morava em São Paulo e vim para o Rio. Então, o Otávio Graça Mello, meu padrinho e amigo, me levou para a TV Globo.

O Sr. vai do humor ao drama fácil..

Milton GonçalvesLU PREZIA

Eu não diria isso, porque seria arrogante da minha parte. Me considero um ator preparado para algumas coisas.

Como foi dirigir novelas?

Dirigi bastante, com uma série de pessoas. Dirigi a 'Escrava Isaura', com a Lucélia Santos. Herval Rossano me entregou a direção no vigésimo capítulo. Fiz trabalhos no Teatro de Arena, dirigi novela e programa de humor, e fiquei muito feliz. Porque foi um salto qualitativo na minha vida.

O senhor já fez política. E hoje?

Continuo membro de um partido. Em 1994, achei que deveria atuar de alguma forma e me candidatei ao governo do Estado do Rio. Fui bem votado. Em seguida, com o governador [Marcello Alencar], ocupei alguns cargos e fiz algumas coisas que para mim foram positivas. Às vezes, falo da questão racial e as pessoas acham que estou fazendo demagogia. Mas não. Somos 51% da população brasileira e não ocupamos espaços. Isso me incomoda profundamente. Falando mais nesse sentido, eu conheço bem a questão racial nos Estados Unidos, por exemplo. Lá, eles tiveram o Barack Obama por dois mandatos. Sendo que a população negra lá é 17% da população. E no Brasil, onde somos maioria, nunca tivemos um presidente negro. Temos que ter políticos negros, precisamos também de orientais e índios. Somos uma mescla e uma mistura muito grande.

Em 'Pega Pega', seu personagem sofre preconceito. O senhor já sofreu?

Já, sim. Claro. Eu já dirigi novelas. E uma vez ou outra, eu tive um pequeno conflito. Não aceitavam um negro como diretor de novelas. Mas o Daniel Filho foi meu grande amigo e meu grande incentivador. Sempre lutamos contra esse preconceito. Batalhamos pelo direito das pessoas serem aquilo que gostam de ser. Os meus patrões sempre foram muito respeitosos.

É válido o enfoque na novela?

É válido porque levanta algumas questões. Não apenas o racismo, mas também o medo, o pavor... A autora levanta essa questão porque conhece bem isso. Nos anos 40 e 50, eu estava em São Paulo e era muito medroso. Um amigo meu disse que ia me levar a um lugar. Fomos ao Centro da cidade e entramos num estande com 130 pessoas, alunas de judô. Destas, a grande maioria era japonesa. Alguns não falavam português. E o mestre era um negrão de quase 3 metros. Meu amigo disse que era para eu aprender a me defender, porque era muito medroso. Um menino com a metade do meu tamanho era mais hábil do que eu, e me colocava no chão. O judô para mim foi importante para conhecer a vida. Esse medo de pobreza que temos, e estando numa área que é preconceituosa, você sofre muito mais. Eu sou do tempo em que, quando vinha rádio patrulha, achava que ia ser preso. Não só eu, mas todos os negros. As coisas vão mudando com o tempo, mas temos essas coisas guardadas em nosso coração.

O senhor continuou com o judô?

Não... O tempo foi passando. Cheguei à faixa marrom. Foi bom para mim para dar segurança. O judô dá muita disciplina para todos.

Qual a importância da celebração do Dia da Consciência Negra?

Nós, brasileiros negros, temos que buscar conhecimento. Devemos colocar em nossos filhos, sobrinhos e netos o desejo de aprender, ler, saber, e conhecer a origem dos nossos antepassados. Não vamos botar ódio no coração deles. Tive a grande felicidade de ir à África. Então, uma série de coisas mudou na minha cabeça, para melhor. A coisa mais importante para nós, independentemente de cor, é estudar. Sem o conhecimento, você não é nada, não progride e não caminha. Acho justo (o Dia da Consciência Negra), porque os japoneses têm seus encontros. Os italianos, os árabes também.

Qual o papel dos seus sonhos?

Meu Deus, meus orixás, os santos e as entidades que me protegem já me deram tudo o que eu poderia fazer e querer. Agora, quero fazer bem o que me oferecerem.

E qual a importância da família?

É fundamental. Tenho três filhos educados, gentis, generosos, graças a Deus. São viajados, na medida do possível, conhecedores da vida. A mais nova é Catarina. A do meio é a Alda, ela trabalha na Globo por conta dela, não foi eu quem a levei para lá. E tem o Maurício, que é escritor, ator... Conheceu o mundo. Foi para Europa e para África. Inclusive, fizemos em Londres 'Eles não usam black-tie', com narração em inglês. Olha que loucura, que boa energia!

Manda um beijo para quem?

Para minha mulher, onde quer que ela esteja. Deus já a levou, mas mando um beijo para ela.

E um sonho para 2018?

Flamengo campeão (risos)!

Você pode gostar