Por daniela.lima
João Pimentel%3A Saúde não se vende%2C loucura não se prendeNei Lima / Agência O Dia

Rio - Se tem algum papel que eu não gosto de exercer é o de jurado de bloco de Carnaval. Por diversas razões. A principal delas é que eu sou amigo de muitos compositores, e jurado que se preza não volta pra casa sem uma cara feia, uma reclamação mais exasperada na conta. Pois bem, este ano decidi que, contrariando o meu coração mole, aprenderia a dizer não por mais amado que fosse o bloco, por mais delicado que fosse o convite. Até que o telefone tocou e do outro lado da linha estava o psicanalista e doutor em saúde coletiva Alexandre Wanderley. Não o conhecia pessoalmente, mas ao ouvir o nome do bloco Tá Pirando, Pirado, Pirou minha resposta imediata foi: “Claro, que honra.” 

O coletivo carnavalesco foi criado por usuários, familiares e profissionais da rede pública de saúde mental do Rio de Janeiro. O nome surgiu da grande sacada de um interno: não bastava fazer um bloco para quem já havia pirado, mas também para quem estava pirando na cidade. E convenhamos que hoje tem muita gente pirada por aqui.

A disputa do Tá Pirando foi no sábado, 8 de fevereiro, um dia depois do ensaio que definiu que o samba do Simpatia É Quase Amor nos seus 30 anos seria o feito por mim e meus parceiros sobre a primeira parte composta há 15 anos por Aldir Blanc. Então, imagina o estado dessa pobre alma no fatídico dia seguinte... Mas compromisso é compromisso. E lá fui eu para o Rio Scenarium, na Lapa.

No carro, lembrei de um samba que adoro, parceria do poeta Chacal com Fernanda e Nanico. “Quem inventou a camisa de força e o hospício/ Não explicou o trabalho da gente ao capital/ Aí pintou Dionísio com sua turma legal/ Fazendo da loucura o Carnaval/ Saúde não se vende/ Loucura não se prende/ Quem tá doente é o sistema social.” Eu estava no desfile de 1993, quando o Suvaco do Cristo homenageou Nise da Silveira. O bloco ainda entrava pela Rua Lopes Quintas antes de pegar a Pacheco Leão. Eu, no auge dos meus vinte e poucos anos, me peguei pirando, pirado. Pirei!

Na bancada dos jurados do Tô Pirando, alguns bons amigos, como o jornalista Luiz Carlos Magalhães e os músicos Leo Tomassini e Gui Guimarães. Mas a disputa era muito diferente de tudo o que eu havia visto em blocos. Todos se ajudavam. Médicos e pacientes interagiam, cantavam juntos, incentivavam os concorrentes, enquanto o lendário Mestre Folia comandava a sua bateria, orientando, rindo e corrigindo os erros. Já havia ouvido falar do bloco, assim como do Loucura Suburbana, do Engenho de Dentro; do Maluco Beleza, de Friburgo. Alexandre me lembrou de outros grupos, como o Tremendo dos Nervos e o Estressa Mas Não Surta.

O Tá Pirando, que desfila no próximo domingo, saindo na Avenida Pasteur, na Urca, em frente ao Instituto Benjamin Constant, às 15h, com chegada no Pão de Açúcar, conta com um apoio da Petrobras, mas vive basicamente de uma ação entre entidades psiquiátricas, parcerias com a Associação de Moradores da Lauro Müller e instituições culturais, além da contribuição de uma turma que acredita em ações humanitárias no tratamento da loucura em detrimento ao modelo hospitalocêntrico antiquado e preguiçoso.

O Tô Pirando e sua turma bacana exacerbam no Carnaval muito mais do que o jeito carioca de levar a vida, encarar os problemas. Eles dão uma lição de inclusão, cidadania e inteligência diante da mediocridade com que a saúde pública, de uma forma geral, é tratada no Brasil.
Não perco este desfile por nada!

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