Por daniela.lima
João Pimentel%3A Moyseis e a geração Lapa em busca da terra prometidaDivulgação

Rio - Um dos melhores cantores de samba e outras bossas da atualidade, Moyseis Marques, na semana que passou, postou um desabafo corajoso, amplamente comentado e compartilhado no Facebook. E eu curti. Se o seu xará mais famoso — apenas diferente na grafia do nome — recebeu um chamado divino para libertar seu povo da escravidão, o nosso Moyseis, que não tem essa ligação direta com o Criador, decidiu, por conta própria, dar o grito de liberdade em nome da sua geração, da Geração Lapa. Cansou de esperar que o mar da democracia e da diversidade se abrisse.

O ponto de partida para o seu descontentamento foi a escalação das duas noites de gravação ao vivo de mais um DVD do Samba Social Clube, na sexta e sábado passados, na Fundição Progresso. Com exceção de Teresa Cristina, que já alçou voos para além dos famosos arcos, nenhum de seus pares foi convidado. Ou seja, na “maior roda de samba de todos os tempos”, como o evento foi anunciado, não tinha um lugarzinho para a turma que reacendeu a chama do samba, que ajudou a trazer à luz um repertório abandonado por rádios e gravadoras.

A turma de Moyseis prova hoje do mesmo desprezo que os sambistas de todas as gerações amargaram. São como o ‘Pedreiro Waldemar’, de Roberto Martins e Wilson Batista, que “constrói o edifício e depois não pode entrar”. Pois bem, se hoje existe Samba Social Clube é porque há mais de quinze anos uma turma começou a ocupar um espaço deserto de música e do poder público. É porque Eduardo Gallotti, o produtor Lefê Almeida, Regina e depois Aline Brufato, sua herdeira no bar Semente, Marquinhos de Oswaldo Cruz, Teresa Cristina e outros apontaram o caminho do samba. E muitas gerações vieram atrás.

Mas, como em todas as nossas manifestações culturais, existe um antropofagismo nefasto, diferente do proposto pelos modernistas nos anos 20. Aqui, o biscoito fino é jogado fora para que, em seu lugar, na prateleira do gosto geral, administrado por meia dúzia de burocratas, as pessoas consumam seu genérico moderninho, porém inócuo. Foi assim com a música sertaneja, foi assim com a música baiana, foi assim com os sambistas nos anos 70, foi assim com a geração do Cacique de Ramos, nos 80, e, infelizmente, é assim com Moyseis e sua turma. Se serve como consolo, todos os modismos criados foram para o espaço. Enquanto soar uma viola, Jararaca e Ratinho viverão; João Nogueira e Roberto Ribeiro serão sempre reverenciados nas rodas; e Luiz Carlos da Vila e outros serão eternos na voz de cada cantor.
Achei estranho o programador dizer em um jornal que não existe “samba da Lapa ou de Ramos”.

“Samba é samba, independente do lugar”, definiu Bruno de Paula. Pera lá! A música feita na Cidade Nova era diferente da ouvida na Zona Norte, ainda uma área rural no início do século passado. O samba dos precursores da Portela tinha uma identidade, um sotaque diferente do feito pela turma da Mangueira. Os revolucionários do Cacique introduziram o banjo, o repique de mão, o tantã. E o pessoal da Lapa também tem sua assinatura: um samba refinado, de virtuosos, de bons cantores. Jogar tudo no mesmo saco é, no mínimo, desinformação.

Moyseis tem que brigar, sim, soltar sua voz contra a tirania dos jabás, hoje travestidos de permutas. É curioso que não se mexa nesta prática excludente e perversa. O preço que se paga pela sinceridade? Nenhum, porque já não se tem nada. A Terra Prometida, a Canaã da Geração Lapa, já está conquistada em forma de respeito e do reconhecimento de quem interessa. Mas que é triste e absurda essa realidade, isto é.

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