Por rafael.arantes

Rio - O Império Serrano sente saudade dos dias de glória. A Verde e Branca teve, neste domingo, mais um capítulo de uma derradeira crise e viu as eleições serem canceladas após uma liminar de Justiça conseguida pelo presidente do Conselho Deliberativo Cosme Chagas. A agremiação terá que recadastrar todos os sócios e esperar por uma nova data para o pleito, mas o episódio não é o único problema da escola da Serrinha. Há 32 anos sem conquistar um título do Grupo Especial, onde levantou a taça nove vezes, a agremiação vive, na verdade, à beira de um grande abismo político. Brigas internas e gestões sem sucesso fazem de uma das mais escolas de samba mais tradicionais do país um poço de infinitos problemas.

Império Serrano vive caos e vê processo eleitoral parar na Justiça. Na foto%2C velha guarda no desfile de 1989Viviane Rocha / Agência O DIA

Desde o rebaixamento de 2009, quando reeditou o enredo "Lendas das sereias, mistérios do mar", de 1976, o Império Serrano não conseguiu ensaiar uma volta por cima. A comunidade verde e branca vê o sonho de se reencontrar com o passado vitorioso cada vez mais distante e a atual crise política não consegue esconder o passado obscuro da escola do Morro da Serrinha. "Imperiano" e colunista do O DIA, o historiador Luiz Antônio Simas não se ilude com as promessas e campanhas por um resgate da gloriosa tradição da agremiação. A grande disputa pelo poder faz do Império um gigante adormecido.

"O mais triste é dizer que isso não é uma surpresa. O Império tem um viés democrático desde quando foi fundado, mas agora é uma escola muito dividida entre facções que disputam o poder. Hoje, a própria situação está dividida. É difícil a gente saber os problemas da última gestão e até que ponto a própria oposição tenta um certo boicote. De qualquer maneira, quando o próprio Atila assumiu a presidência já havia uma rachadura muito grande. O que acrescentou uma certa pimenta à crise é o fato da ausência dos resultados. Não há perspectiva de ver o Império voltar à elite assim", desabafou.

A distância do Grupo Especial, no entanto, é um dos detalhes de uma imensa crise. Na década de 1990, a escola enfrentou sérios problemas de política interna que redundaram em três rebaixamentos (1991, 1997, 1999). A falta de estabilidade e as constantes complicações fazem com que um futuro trágico não seja descartado. A história chega a ser confundida com um tradicional clube do futebol carioca e Simas destaca a paralisação no processo evolutivo da escola como um dos maiores alertas.

"É muito similar com o que aconteceu com o América no futebol. O Império perdeu a estabilidade, agora é uma 'escola iôiô'. Tem glórias, um passado gigante, mas não conseguiu se adequar. O título de 1982 já havia exposto o pensamento de 'escola de samba S.A.', mas não houve a tal adequação aos novos moldes. Não temos, minimamente, a expectativa de ver o Império forte se continuar assim. A agremiação está se conformando com o Grupo de Acesso e, se seguir deste modo, a perspectiva de um Império na Intendente Magalhães (onde desfilam grupos mais inferiores que a atual Série A) será maior que no Grupo Especial", disse Simas.

Com passado glorioso%2C Império Serrano não conquista um título desde 1982%2C antes mesmo da construção do Sambódromo. Na foto%2C velha guarda no último desfile campeãoArquivo

O processo eleitoral conturbado é parte do reflexo de uma imensa divisão política do Império Serrano. Pesquisadora e antiga vice-presidente da escola, Rachel Valença também vê o momento da agremiação como caótico. A falta de diálogo e a levada de questões internas à Justiça são algumas das coisas que mais afrontam a ideologia de outra grande torcedora. Surpreendida pela decisão judicial, que soube quando chegou à quadra para votar (neste domingo), Rachel não se conforma com o desfecho do pleito.

"Estão matando a escola, não podiam a expor desta maneira. O que está acontecendo com o Império é uma imensa falta de diálogo e estou muito triste por isso. As pessoas não pensam no bem da agremiação, só nos próprios projetos de vida. Sou inteiramente contra esses recursos e vejo que realmente alguns não querem nem se arriscar a perder uma eleição. Querem ganhar uma batalha de ganâncias no grito. O que não pode é uma pessoa querer manipular algum tipo de resultado e ir à Justiça para embargar um processo democrático de maneira digna e decente", disparou Rachel que, ainda assim, não consegue enumerar um pontapé inicial no caos estabelecido na agremiação.

"Não consigo firmar esse diagnóstico. Não sei onde a coisa desandou. Fui vice no mandato de 1999 e, depois, por mais cinco anos, entre 2005 e 2010. Me orgulho de ter feito o melhor que pude, mas é fato que de 2000 para cá a gente sempre teve uma grande irregularidade no Império. O fato de estar há tanto tempo no Acesso é mais um reflexo desta situação geral", analisou.

'ATILA NÃO É O ÚNICO CULPADO', DIZ WILSON DAS NEVES

Um dos beneméritos mais importantes do Império Serrano vê a situação atual com grande tristeza. Wilson das Neves construiu uma bela história na escola da Serrinha e não se conforma com a fase em que a Verde e Branca se encontra. O fato que mais assusta o músico é o caos financeiro em que a agremiação habita. Wilson, no entanto, desafoga a gestão de Atila como maior vilã e admite que a crise vem mesmo de longa data.

Wilson das Neves lamenta crise%3A 'Não há dinheiro'Divulgação

"A culpa não é só do Atila. E os outros presidentes? O que eles fizeram? Eu sei muito bem que a escola está sempre devendo, nunca consegue acabar de pagar. Ficam colocando a culpa no Atila, mas ele é só mais um que passa e fica com esse rótulo. Todos têm parcela. Nenhum colocou a escola para cima. Todo mundo chega e fala que vai fazer... mas não faz. O problema do Império é igual ao do Brasil: tem potencial, mas não tem dinheiro", desabafou.

O músico, que até hoje desfila à frente da bateria Sinfônica do Samba, revela que o sentimento diante do caos estabelecido é mesmo o de revolta. O clamor é por uma administração que realmente busque coisas boas para a Verde e Branca: "Ninguém quer ajudar o Império porque existem todos esses processos, essas confusões. Eu queria mesmo falar sobre isso. Vejo falsos imperianos querendo tumultuar as coisas, levando tudo para a Justiça. Usam a escola para se completar, mas não pensam no bem dela".

Parafraseando o já falecido amigo Hélio dos Santos, o famoso Tio Hélio (fundador do Império Serrano), Wilson não esconde o medo do futuro que pode marcar a escola do coração. Diante da atual situação, o sentimento é de tristeza.

"Que saudade dos imperianos de verdade, eles estão se afastando da nossa escola. Repito o que meu amigo Hélio dizia: 'Malandragem, deixa o meu Império em paz'", finalizou.

O DESEMPENHO DO IMPÉRIO DESDE O ÚLTIMO REBAIXAMENTO: 

AnoGrupoPosiçãoPresidente
2009Especial12º lugar (rebaixado)Humberto Soares
2010Acesso A6º lugarHumberto Soares
2011Acesso A 6º lugarVera Lucia
2012Acesso A2º lugarAtila Gomes
2013Série A (antigo Acesso)3º lugarAtila Gomes
2014Série A6º lugarAtila Gomes


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