Por gabriela.mattos
Rio - Quando o carnavalesco Cahê Rodrigues, da Imperatriz Leopoldinense, apresentou ao presidente da escola a ideia de homenagear os índios do Xingu, a ideia era clara: exaltar a vida, a luta e as dificuldades daqueles brasileiros historicamente dizimados pelo homem branco. Na semana passada, contudo, o enredo da escola de Ramos pulsou em âmbito nacional e virou o inimigo número 1 dos ruralistas, que se sentiram ofendidos com críticas pontuais ao uso de agrotóxicos e à controversa hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, chamada pelo samba de ‘Belo Monstro’.
“Como defendemos o índio e damos voz a ele no enredo, tudo que agride a floresta, o meio ambiente e, diretamente, o índio, nós precisamos citar. Porque o enredo não é um conto de fadas. É uma história real”, aponta Cahê Rodrigues, de 40 anos.
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Os homens do agronegócio ficaram especialmente incomodados com a ala ‘Fazendeiros e seus Agrotóxicos’, que vai mostrar os perigos — comprovados — desses produtos para o meio ambiente. Entenderam-na como uma crítica generalizada ao setor ruralista.
Enredo da escola de Ramos, desenvolvido por Cahê Rodrigues, vai homenagear os índios do Xingu e falará também das ameaças do agronegócio, agrotóxicos e do projeto da hidrelétrica de Belo Monte à florestaMárcio Mercante / Agência O Dia

O senador Ronaldo Caiado (DEM), que há décadas atua na política em defesa do agronegócio, chegou a sugerir uma sessão temática para discutir o enredo no parlamento.

“Foi uma grande confusão por parte deles, que não se deram o trabalho nem de procurar a escola para tirar uma dúvida, não tiveram nem o trabalho de ler a sinopse do carnaval, e começaram essa onda de ataques agressivos e racistas à escola e ao índio brasileiro”, lamenta.

Apesar da polêmica, os fãs de Carnaval não precisam se preocupar. Cahê garante que a Imperatriz não mudará nem um mísero detalhe da festa que planeja para o dia 26 de fevereiro, domingo. Ele destaca, de modo eufórico, a comissão de frente do desfile. “Pretende impactar a avenida. Mostramos a força mística dos índios do Xingu por meio da figura dos pajés, que são muito respeitados naquela região.”

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A última alegoria, por sua vez, é uma espécie de ilustração real do que o espectador vai acompanhar ao longo do desfile. Será composta somente de xinguanos, com “cinco ou seis” representantes das 16 etnias que têm o Xingu como lar. “Vamos mostrar o nosso enredo ao vivo e a cores na avenida”, explica o carnavalesco.
Também haverá uma ala dedicada aos “caciques brancos” — antropólogos que se dedicaram a estudar e defender a história dos primeiros povos da nossa terra. Um desses indigenistas, vale dizer, idealizou e dá nome ao Sambódromo: Darcy Ribeiro.
Em dezembro%2C o carnavalesco visitou os índios do Xingu%3A Voltei de lá com uma responsabilidade ainda maiorReprodução Facebook

Além dele, os irmãos Villas-Bôas, que conceberam o projeto do Xingu, e Marechal Rondon ganharão homenagens.

O interesse de Cahê pelo tema não é de hoje. Nem de ontem. Frequentador, há dez anos, do Festival Folclórico de Parintins, no Amazonas, ele se acostumou a ouvir as histórias e as demandas dos índios daquela região. De três anos para cá, vinha moldando a ideia de apresentar enredo com essa temática — que nasceu, enfim, para o próximo Carnaval. “Eu disse que seria um momento muito propício para falar do índio, porque acho que vivemos um momento muito delicado no país: essa desordem na política, a falta de respeito ao próximo.”

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Em dezembro, Cahê foi ao Xingu. “Acabei voltando de lá com uma responsabilidade ainda maior, porque pude ouvir dos índios suas angústias, seus medos. Pude ver como o índio faz parte da natureza. Vi crianças acordando e brincando com borboletas. Crianças curumins de 2 aninhos subindo em árvores, pegando fruta. Uma realidade muito distante da nossa.”
‘Não podemos esconder verdades dramáticas’

Do fascínio, vêm a empatia e o reconhecimento do medo demandado por aquela gente de pele vermelha. “Você vai, agride o solo sagrado daquele povo, contamina a água que aquele povo bebe… É um crime contra o ser humano. Se o enredo da Imperatriz pretende dar voz aos índios, não podemos esconder essas verdades dramáticas que fazem parte da história deles”, esclarece Cahê. “É da água que eles tiram o alimento, é aquela água que eles bebem, é com aquela água que eles tomam banho. A partir do momento em que a água é contaminada, não tem mais vida. Essas angústias, esses medos, eu pude ouvir olhando nos olhos deles.”
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Quando anunciou a ideia de transformar a Imperatriz em sessão temática no Senado, Ronaldo Caiado alegou que havia outros temas mais importantes para se falar em um samba. O carnavalesco inverte a lógica. “São homens atacando a escola de uma forma desnecessária dentro de um país que vive uma corrupção gigantesca, uma bagunça política gigantesca, uma bagunça generalizada. E os caras se preocupando com enredo de escola de samba. É um absurdo”, diz.
Reportagem do estagiário Caio Sartori