Jack Vasconcelos ironiza a remodelação de Fortaleza em uma das alegorias:
Jack Vasconcelos ironiza a remodelação de Fortaleza em uma das alegorias: "Mostraremos a pobreza varrida, por trás da chiqueza da cidade" FOTOS DE Armando Paiva/ Agência O Dia
Por Luana Dandara*

Rio - A escultura de um carcará, vestido de terno e gravata, será um dos ícones do desfile da Paraíso do Tuiuti neste Carnaval. Com cerca de 4,5 metros de altura, o animal guiará um dos carros da agremiação, que vai criticar os rumos da política por meio de um enredo irônico. Nessa alegoria, que representa um curral eleitoral, o carnavalesco Jack Vasconcelos, de 41 anos, pretende levantar polêmicas como o voto de cabresto e a farra com o dinheiro público.

Não é só a ave, entretanto, que ganhará destaque na Tuiuti. Mosca, cobra, porco, lobo e urubu também terão suas esculturas engravatadas. "A gente tem na família, nas repartições, sempre um mosca, um porco, uma cobra. O carro vai trazer o jogo de poder da elite, a população usada por interesses", explicou Jack. Mas o protagonista da Azul e Amarela será mesmo o bode Ioiô. Eleito vereador no Ceará em 1922, como forma de protesto à administração pública da época, o caprino é o tema da escola, e abrirá o desfile em um pé de passagem substituindo o leão da Metro-Goldwyn-Mayer (MGM), que teve o célebre rugido estampado nas telas do cinema.

"Ele é o grande astro, e irá se movimentar e fazer barulho nessa abertura, mostrando o espírito debochado do enredo", pontuou o carnavalesco. Segundo ele, Ioiô virou mascote de Fortaleza, no Ceará, e teve notoriedade com a remodelação da cidade, mesma política do antigo prefeito do Rio Pereira Passos, quando a população pobre foi deslocada para periferias.

"O bode é um ícone de resistência da cultura popular e de todo mundo que, de alguma maneira, se sente ameaçado. Que sejamos bode Ioiô. A gente não pode se deixar abater ou diminuir, temos que ficar juntos, essa é a mensagem que queremos deixar na Avenida", contou Jack. No último carro alegórico, personalidades estarão presentes, entre eles os atores Mônica Iozzi e Silvero Pereira, a líder indígena Sônia Guajajara, e a tatuadora Thereza Nardelli, que viralizou o desenho 'Ninguém solta a mão de ninguém', após a eleição de Bolsonaro. "É um exército do Ioiô, eles representam lutas de LGBTs, mulheres e índios. A alegoria será um grande bloco para lembrar que nós do Carnaval também resistimos. Não podemos retroceder no direito de expressão que conquistamos, de fazer a piada", ponderou o carnavalesco.

Escola sofre com atrasos nas alegorias

Classificada em segundo lugar do Grupo Especial no ano passado, quando levou um presidente vampiro para a Avenida, a Paraíso do Tuiuti é mais uma agremiação que sofre com atrasos em virtude do corte verbas do Carnaval. Sem nenhum dos cinco carros alegóricos terminados a um mês do desfile, Jack Vasconcelos adaptou o projeto e trocou diversos materiais por itens mais baratos.

O carnavalesco, todavia, afirmou que o espetáculo não perderá grandiosidade. No desfile, o bode passeará por praias, saraus, teatros e até missas. Em uma das alegorias, o animal será retratado na noite boêmia de Fortaleza, onde os moradores davam cachaça para Ioiô, que hoje é uma figura folclórica da cultura cearense. O profissional da Tuiuti ressaltou que o objetivo do desfile não é "lacrar", mas sim ressaltar o espírito carnavalesco de brincar. "Não é uma manifestação, um comício. É Carnaval, estamos no campo da sutileza".

*Estagiária sob supervisão de Angélica Fernandes

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