Carnaval 2019 - Desfile da Escola de Samba do Grupo Especial, G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira, no Sambódromo da Marquês de Sapucaí, no centro da cidade do Rio de Janeiro nesta terça-feira (05). Foto:Daniel Castelo Branco/Agência O Dia. - Daniel Castelo Branco / Agencia O Dia
Carnaval 2019 - Desfile da Escola de Samba do Grupo Especial, G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira, no Sambódromo da Marquês de Sapucaí, no centro da cidade do Rio de Janeiro nesta terça-feira (05). Foto:Daniel Castelo Branco/Agência O Dia.Daniel Castelo Branco / Agencia O Dia
Por DIRLEY FERNANDES

Mangueira, tira a poeira dos porões

Ô, abre alas pros teus heróis de barracões

Dos Brasis que se faz um país de Lecis, jamelões

São verde e rosa, as multidões

Brasil, meu nego

Deixa eu te contar

A história que a história não conta

O avesso do mesmo lugar

Na luta é que a gente se encontra

Brasil, meu dengo

A Mangueira chegou

Com versos que o livro apagou

Desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento

Tem sangue retinto pisado

Atrás do herói emoldurado

Mulheres, tamoios, mulatos

Eu quero um país que não está no retrato

Brasil, o teu nome é Dandara

E a tua cara é de cariri

Não veio do céu

Nem das mãos de Isabel

A liberdade é um dragão no mar de Aracati

Salve os caboclos de julho

Quem foi de aço nos anos de chumbo

Brasil, chegou a vez

De ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês

Saiba um pouco mais sobre as citações do samba 'História pra ninar gente grande', composto por Deivid Domênico, Tomaz Miranda, Mama, Marcio Bola, Ronie Oliveira e Danilo Firmino, com base na sinopse do carnavalesco Leandro Vieira. 

Dos Brasis que se faz um país de Lecis, jamelões

São verde e rosa, as multidões

Leci Brandão é cantora e compositora com 50 anos de carreira. Foi a primeira mulher a integrar a gloriosa Ala dos Compositores da Mangueira. Sua carreira é marcada por canções de forte cunho social, retratando a realidade das comunidades e a condição do negro, o que a levou a ter problemas com gravadoras que dificultaram, mas não impediram a sua trajetória. O samba dela mais conhecida das novas gerações é ‘Zé do Caroço’, de 1981, que fala da reorganização das associações de moradores, nos anos finais do regime militar.

Jamelão foi cantor de orquestras, com carreira iniciada nos anos 1930, conhecido pela voz tão bela quanto poderosa. Mas entrou para a história da Mangueira e do samba como o maior dos intérpretes da avenida. Começou a cantar nos desfiles em 1949 e foi até 2006. É autor de sambas como ‘Cântico à Natureza’ (de 1955, em parceria com Nelson Sargento e Alfredo Português), talvez o mais belo da Verde e Rosa. José Bispo dos Santos, conhecido por seu proverbial mau humor, faleceu em 2008, coberto de glórias e como presidente de honra da escola. O surdo sem contratempo da Mangueira acompanhou seu funeral.

 Desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento

A noção de que o Brasil foi ‘descoberto’ em 1500 é uma forma de contar a História a partir do ponto de vista europeu. Na verdade, quando a frota de Cabral chegou ao litoral, com a missão de tomar posse da terra em nome do Rei e da Igreja, havia mais de 3 milhões de índios de etnias e organizações diversas, que poderiam ser chamadas de nações, no território. Os portugueses invadiram e ocuparam o país, negociaram com algumas das nações e fizeram guerras com outras, como contou o padre Anchieta louvando os feitos do general Mem de Sá. “Quem poderá contar os gestos heroicos do Chefe à frente dos soldados, na imensa mata! Cento e sessenta as aldeias incendiadas, mil casas arruinadas pela chama devoradora”.

 

Desfile da Mangueira, campeã do Grupo Especial - Daniel Castelo Branco / Agencia O Dia
Mulheres, tamoios, mulatos

Eu quero um país que não está no retrato

Entre as várias mulheres cuja história é pouco conhecida e não está em grande parte dos livros didáticos, o carnavalesco Leandro Vieira lembrou duas em particular: Tereza de Benguela e Esperança Garcia. A primeira liderou o Quilombo do Quariterê, o maior do Mato Grosso, entre 1750 e 1770 e se destacou pela habilidade política. O dia 25 de julho foi estabelecido como Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. Benguela é um porto angolano de onde partiram muitos escravos para o Brasil. A segunda é uma mulher escravizada que vivia no Piauí e, em 1770, escreveu uma carta ao governador denunciando os maus tratos dos senhores de engenho aos cativos. A madrinha de bateria Evelyn Bastos encarnou, majestosamente, aquela que foi consagrada, mais tarde, como a primeira advogada do Piauí.

O termo 'tamoio' significa ‘o mais velho’, designa os tupinambás, índios que ocupavam vastas áreas do litoral brasileiro ao tempo do descobrimento. Uma das alas do desfile da Mangueira homenageava Cunhambebe, o mais famoso de seus guerreiros. Aliado dos franceses, ele era o chefe de uma aldeia onde hoje é Angra dos Reis e reuniu dezenas de tribos na chamada ‘Confederação dos Tamoios’, que deu combate feroz à invasão da terra pelos portugueses, tendo devorado muitos inimigos. O embate terminou com a vitória lusitana, quando o grande chefe já tinha morrido, vitimado pela varíola. Em seguida, deu-se a ocupação da Guanabara, com a morte de todos os tamoios que por aqui viviam – com exceção de poucos escravizados. Na batalha decisiva, a de Uruçumirim, na atual Glória, mais de 600 índios, inclusive o chefe Aimberê, pereceram.

São muitos mulatos que fizeram história no Brasil – Aleijadinho, Machado de Assis, Lima Barreto, José do Patrocínio, os irmãos engenheiros André e Antônio Rebouças… A Mangueira destacou em seu enredo um dos mais ilustres: o poeta e advogado Luiz Gama (18230-1882). Apesar de se dizer filho de uma liberta ( a mítica líder rebelde Luiza Mahin), ele foi vendido pelo pai para pagar dívidas e cresceu como ‘escravo da casa’, em São Paulo. Mais tarde, conseguiu ser libertado na Justiça – caminho seguido por muitos negros no século XIX – e, por ser alfabetizado, conseguiu emprego de escrevente da Secretaria de Polícia. Ali, estudou até tornar-se rábula (advogado sem diploma). Especializou-se em defender escravos, tendo conseguido a libertação de centenas deles. Como poeta, foi pioneiro em assumir a negritude. Usava da ironia com fino estilo e ela foi uma das armas para se tornar o mais importante líder abolicionista de São Paulo. Fundou uma caixa emancipadora que recolhia dinheiro para comprar alforrias e morreu, pobre, em 1882, quando fervilhava a campanha abolicionista que levaria à Lei Áurea, seis anos depois.

Brasil, o teu nome é Dandara

E a tua cara é de cariri

A história de Dandara, mulher de Zumbi é envolta em lendas e fatos difíceis de comprovar. Mas ela é símbolo da resistência das mulheres negras. Do que se sabe como verdade histórica, Dandara foi criada no Quilombo dos Palmares, atual estado de Alagoas, e se tornou mulher do grande chefe militar das comunidades agrupadas na serra da Barriga e por um século resistiram à escravização. Ao lado de Zumbi, e muitas vezes no comando de tropas com homens e mulheres, participou de embates até 1694, quando Palmares foi dizimada pelo bandeirante Domingos Jorge Velho e seus homens. Teria se suicidado logo após a derrota, para escapar da morte pela mão inimiga ou do cativeiro.

Os índígenas da nação kariri resistiram por 30 anos nà ocupação de suas terras e à captura para fim de escravização, no Nordeste, entre 1683 e 1713. A série de revoltas ficou conhecida como Confederação dos Cariris e só foi sufocada com o assassinato em massa dos indígenas.

Não veio do céu

Nem das mãos de Isabel

A liberdade é um dragão no mar de Aracati

Chico da Matilde era um barqueiro que ganhou o epíteto de ‘Dragão do Mar’ por ter, na condição de prático, se recusado a guiar diante do porto de Fortaleza navios que levavam escravos na direção do sul do país. A greve liderada por Francisco José do Nascimento paralisou o mercado escravista e fortaleceu o movimento abolicionista, o que levou o Ceará a ser a primeira província brasileira a abolir a escravidão, em 1884.

Salve os caboclos de julho

Quem foi de aço nos anos de chumbo

O Caboclo, figura mítica que tem estátua no Campo Grande, em Salvador, representa os índios, sertanejos e negros que lutaram nas batalhas pela independência do Brasil que ocorreram na Bahia após a declaração de 1822 e que culminaram com a vitória sobre os portugueses, em 2 de julho de 1823. Os caboclos são celebrados na Bahia durante os grandes festejos da data cívica. A cabocla, representando Catarina Paraguaçu, foi inserida nos festejos nos anos 1840, depois do seu par. Referência aos anos do regime militar, entre 1964 e 1985, durante o qual houve “crimes contra a humanidade” e “graves violações dos Direitos Humanos”, segundo relatório da Comissão da Verdade, com 434 mortes e desaparecimentos de opositores, entre os quais Stuart Angel, morto sob tortura, e irmão da jornalista Hildegard Angel, que foi destaque de um dos carros da Mangueira.

Mangueira foi a sexta escola a desfilar na madrugada de segunda - Daniel Castelo Branco / Agencia O Dia

Brasil, chegou a vez

De ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês

Entre tantas Marias, Maria Felipa, destacada no enredo, é heroína popular da Independência. Moradora da ilha de Itaparica, na Bahia, marisqueira, negra, comandou um grupo de 40 mulheres que destruiu 42 barcos da esquadra portuguesa, em ação determinante para a vitória brasileira. Figura mítica cuja existência histórica é pouco provável, Luiza Mahin foi participante, com posto de liderança, na Revolta dos Malês, em 1835, em Salvador. Era, segundo os relatos, egressa da Costa da Mina (mahin é uma das tribos locais) e tinha a profissão de quituteira.Participou das revoltas que aconteciam quase em ritmo anual em Salvador, até 1835. A cidade tinha quase 80% da população formada por negros e mestiços.Vereadora, Marielle Franco era conhecida pela defesa dos Direitos Humanos, das mulheres e das comunidades faveladas. Foi assassinada há um ano. Não se sabe ainda quem a matou e quem mandou matá-la.

A revolta dos negros muçulmanos (chamados genericamente de malês) da Bahia envolveu cerca de 600 homens e pretendia estabelecer um reino negro no Nordeste brasileiro. Os rebeldes estavam bem articulados pela província, mas, na madrugada do dia marcado para a revolta, 25 de janeiro, parte deles foi surpreendida numa casa, denunciada anonimamente. O grupo, composto por 60 guerreiros, então, lançou-se à luta, tentando acordar os escravos, que se agrupraram na região central e ali tentaram avançar para uma região onde se encontrariam com os escravos rebelados dos engenhos do Recôncavo. Mas sofreram resistências das fortificações e quartéis no caminho e acabaram cercados e derrotados horas depois. Os muçulmanos seriam duramente perseguidos nos anos seguintes.

 

 

Você pode gostar
Comentários