Por daniela.lima
Rio - Com a turnê do disco ‘Beijo Bandido’ (2009), Ney Matogrosso escolheu um formato mais discreto para seu show — da banda, um trio, aos figurinos. Na turnê e no CD ‘Atento aos Sinais’ — o disco ele lança agora, o show vem rodando o Brasil desde fevereiro e retorna ao Rio dia 24 de janeiro —, voltou a ser do jeito que o povo (seu público) gosta: explicitamente abusado, com danças e figurinos provocantes. Em conversa com O DIA, ele fala sobre o fascínio que exerce sobre os fãs, conservadorismo, drogas, casamento aberto e muito mais. 
Lançando seu novo CD%2C ‘Atento aos Sinais’%2C músico fala sobre carreira%2C drogas e casamento abertoAndré Mourão / Agência O Dia


O DIA: O que você acha que causa essa excitação nos seus fãs? Nos seus shows tem quase uma histeria...
NEY MATOGROSSO: Acho que o mundo tá mais careta, então ainda provoco isso. Porque já era pra estarem acostumados comigo. Já sabem quem eu sou, o que eu faço. Acho que houve uma regressão no comportamento, embora, paralelamente, exista a internet, que diz que libera.

Mas por que você acha que isso aconteceu?
Acho que a Aids deu uma cortada na expansão, fez um pensamento mais conservador se instalar. Antes, era mais livre, apesar de vivermos num regime militar. Fica parecendo que eu era liberado, mas na década de 70 todo mundo era. Não sei por que caminhou pra trás, já tem muito tempo (a Aids), já era pra terem reagido.
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Falando em pensamento conservador, você já foi vítima de homofobia?
No Secos & Molhados (seu ex-grupo), uma vez a plateia me xingou. Eu fiz uma pose linda, eles
continuaram xingando e eu mandei tomar no c... Aí a outra metade, que não estava xingando, começou a aplaudir. Ali eu vi que não podia ter medo. Se eu tivesse medo, eles iam cair em cima. Na minha vida particular, nunca. Pelo contrário: as pessoas na rua me abraçam, falam coisas lindas. Só recebo coisas boas. Acho que as pessoas gostam de mim porque eu nunca me escondi, sempre falei abertamente sobre tudo.
Hoje em dia, todo mundo pode ser filmado, em qualquer lugar. Isso não te cerceia?
Não sou de beber nem de ir a boates, mas fui no aniversário de um amigo. Bebi três batidas de vodca, o que me deixou pra lá de Bagdá. Quando saí, estava trôpego. E já tinha um motorista de táxi me filmando. Uns amigos me avisaram. E eu: ‘Deixa filmar. O que pode acontecer? Eu cair? Todo mundo não cai? Eu não posso cair um dia na vida?’ Isso tem uns cinco anos. Antigamente, você podia ir rolando, e tudo bem. Não virava notícia, ninguém fotografa, ninguém estava preocupado.
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E como consegue preservar sua vida íntima?
Eu não tenho necessidade de, com quem eu esteja, ficar me agarrando na rua, de mão dada, de selinho. Não preciso. Só assumiria algo se fosse uma paixão assim, que eu não pudesse me aguentar. 
Ney Matogrosso crê que não sofre homofobia por nunca ter se escondidoAndré Mourão / Agência O Dia


O que acha do casamento gay?
Entendo que as pessoas queiram ter a união estabilizada diante da sociedade. Mas, em última
instância, acho que estão querendo repetir um formato que já não dá certo entre homem e mulher. Mais difícil ainda entre homens, porque nós, homens, nos damos o direito a tudo. O mundo nos pertence. Aí, fico imaginando que num casamento gay ou os dois são muito modernos, ou então é trauma ou hipocrisia, como é o casamento entre homem e mulher. Pra não ser uma hipocrisia, tem que ser tão livre que admita que seu parceiro transe com outras pessoas. No meu tempo era assim. Era muito difícil, mas era o que a gente queria: estou com você, mas você tem o direito de fazer o que quiser com a sua vida e eu, com a minha. Não tenho essa necessidade de me casar, mas esse foi o único modelo que me interessou.

Qual seu maior medo?
O mar. Não me aproximo com muita tranquilidade dele. Eu fui levado por uma onda quando tinha 13 anos de idade.
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Você aparenta muito menos do que a sua idade (72 anos), mas o tempo passa. Como sente essa passagem estando sob os holofotes?
Não gosto de tirar foto. Tenho que tirar, meu trabalho me expõe. Então é isso, eu acho que tô bem na fita ainda, tudo bem, tudo certo, mas te confesso que não gosto de me ver em foto mais.
Você se imagina cantando até velhinho?
Enquanto der.
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Muitos artistas hoje largaram os excessos com bebida, cigarro...
Mas eu nunca tive esses excessos. Tinha liberdade pra acessar tudo isso, mas eu não era uma pessoa drogada. Nunca gostei de bebida. Fumava cigarro, mas contrariado, tragava e me dava uma contrariedade, eu tava botando aquilo pra dentro...
As drogas eram vistas como outra coisa.
Sim, era visto diferentemente de agora. Mas, olha, nos anos 80, era como se a cocaína fosse liberada no Rio. No trânsito, o carro parava, você via uma pessoa do seu lado bater uma carreira, cheirar, o sinal abrir e ela ir. Em qualquer lugar, no meio da rua. Você era até malvisto se não cheirava, e eu não cheirava. Sabe o que acontecia? Eu ia nas festas, as pessoas ficavam tão loucas de cocaína que perdiam a coordenação motora. Eu, que não cheirava, ficava batendo carreira para eles, que não conseguiam mais. Não fui um cheirador, mas, nos anos 80, cheguei a experimentar algumas vezes. Não gostava, mas ia junto com os amigos, pra não ficar chato. Hoje em dia, nem pra agradar.
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Alguma droga te deu alguma experiência que você curtiu?
Sim, o ácido lisérgico. Abriu as portas da percepção. Eu entendi o que era ser humano neste planeta. Mas o ácido não é mais a mesma coisa. Te falo porque eu tomei um poucos anos atrás com uns amigos, e aí eu disse: ‘Sinto muito falar isso pra vocês, mas isso aqui não é LSD, é anfetamina.’
Uma vez você falou que o Santo Daime (ritual religioso que envolve bebia alucinógena) foi uma experiência incrível. Você resolveu largar ou eventualmente ainda vai?
Eventualmente, eu tomo, em casa, sozinho. Não tenho mais paciência para ficar 12 horas fazendo nada, nem cantando. Mas eu tomo uma colher, só para entrar na vibração da bebida.
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