Por daniela.lima

Rio - ‘Agora eu virei a negona de tirar o chapéu.” Às gargalhadas, Aílton Graça mostra que dá para ter bom humor às 7h da manhã, hora marcada para sua entrevista com o DIA. Ele chega ao local combinado com duas camisas penduradas no cabide e dois tipos de chapéu, para variar o figurino, caso seja preciso. Pega as escovas de cabelo e o secador não com tanta intimidade quanto a sua personagem Xana, de ‘Império’, mas consegue fazer boas poses com os aparatos de beleza durante a sessão de fotos. Em poucos minutos, a simpatia e a boa vontade ficam aparentes no ator de 50 anos, que tem roubado a cena na trama das 21h, de Aguinaldo Silva. 

'Eu empresto todo o preconceito sofrido por nós%2C negros%2C para entendera carga desse personagem'Maíra Coelho / Agência O Dia


De sobrancelhas feitas, salto alto, unhas pintadas e manias de uma verdadeira mulher, Aílton dá vida à transformista Xana, cabeleireira querida pela comunidade de Santa Teresa na novela. Na vida real, é sua voz grossa que dá o tom. Nada de trejeitos femininos quando não está gravando.

“Eu não teria essa dificuldade de assumir alguma coisa. A minha única preocupação é com o compromisso social. Isso, sim, me perturba. Existem direitos pelos quais brigar. A questão é humanizar, para esse lugar ser mais harmonioso de se viver. Nenhum tipo de intolerância me interessa”, admite Aílton. Ele não imaginava que seu personagem pudesse cair no gosto popular.

“Não sabia que a Xana ia ganhar o público. No primeiro dia em que eu conversei com o Rogério (Gomes, diretor), eu disse para ele que ia me dedicar muito. Eu sou muito CDF, gosto de estudar, de fazer minhas pesquisas, fui à luta conversar com o pessoal LGBT, fui atrás de amigos, de colegas que são transformistas. Fui conversar para entender um pouco mais desse universo, para saber como fazer isso com muita dignidade”, explica. 

Com o preconceito vivido na ficção, Aílton consegue sentir um pouco do que os travestis passam no dia a dia. Ele ainda arrisca palpites. “Acho que existem milhões de motivos. Eu empresto todo o preconceito sofrido por nós, negros, para entender a carga desse personagem. Transex é uma pessoa que transforma o corpo, que se revela, a alma está aprisionada no corpo errado. O cara tem o biotipo de homem, mas a alma, a maneira de ver o mundo, está num outro lugar. Quando esse cara vê a sua alma aprisionada, precisa desse recurso externo”, reflete. Aílton acredita que os gays sofram menos com os julgamentos alheios que os travestis. 

Ator com com Viviane Araújo, no salão da tramaDivulgação


“Às vezes, é uma pessoa que não pode fazer a operação para transex ou não tem coragem de siliconar o seu corpo, aí, ele tem que se travestir para que as pessoas vejam quem ele é. Para isso, ele precisa do recurso da maquiagem, do cabelo, do sapato. É de uma coragem muito grande se revelar desse jeito. Mas as pessoas não querem ver isso, as pessoas querem enquadrar as outras dentro de um padrão pré-estabelecido. Então, por mais que se permita que o gay seja incluído na sociedade, o travesti, não. O gay, como está com o seu terno, a sua roupa de homem, pode trabalhar como médico, dentista. O gay está mais enquadrado dentro de um padrão aceito. Os que são siliconados, que tomam hormônio para mudar o seu corpo, não.”

Seu tipo másculo, que lhe rendeu o título de ‘negão de tirar o chapéu’, com o personagem Feitosa, da novela ‘América’ (2005), foi o que atiçou o autor a ousar na escolha. “Escolheram três héteros para fazer os gays da novela, o que eu acho maravilhoso. É muito desafiador, não é fácil. Não sei se as pessoas conseguem ter a dimensão do nosso trabalho. E eu sou cheio de personagem malandro, que dá golpe em mulher. Carrego o rótulo até hoje do negão de tirar o chapéu. Pode ser que agora eu vire a negona de tirar o chapéu”, diz, aos risos. “As pessoas falavam: ‘Quer fazer um bofe de comunidade, mais popular? chama o Aílton’. Todo mundo me vê assim. De repente, muda completamente. Para mim, para minha família, foi uma surpresa.”

Mesmo ficando quase duas horas se preparando para virar Xana, Aílton não se acostuma com os hábitos de mulherzinha. “É muito detalhezinho. Eu juro que estou tentando guardar o nome de cada coisa de maquiagem. Um dia, apertei o olho depois de ter passado o rímel e fiquei igual a uma Emília preta”, diverte-se. “Não sei dizer o lado ruim de ser mulher. Eu não menstruo. Mas deve ser a TPM. A coisa do chocolate, do doce. Isso a Xana não vai poder vivenciar.” 

PARCERIA COM VIVIANE ARAÚJO

Parceira de cena de Aílton Graça, Viviane Araújo soube driblar o preconceito e foi, aos poucos, conquistando seu espaço na trama como a manicure Naná e ganhando a admiração dos colegas. “Ela não deu trabalho. Dizia muito para ela que o seu papel em ‘Império’ não é um personagem do Professor Raimundo, que fazia uma coisinha e ia embora para casa. A gente não abandona o personagem. E o trabalho que ela tem feito é puro mérito. Quem tem competência se estabelece”, avalia Aílton, que afirma não ter olhado torto a colega por ela não ter experiência na TV. 

“É um primeiro trabalho e existe uma certa resistência, que eu acho natural. Eu quero receber qualquer pessoa com tapete vermelho, independentemente de onde ela venha. Eu não gosto de programas como ‘A Fazenda’ e ‘BBB’, mas eu jamais vou ter preconceito com alguém que veio deles.”

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