Por karilayn.areias
Guilherme Fontes: 'Nunca fiquei como todo mundo faz%2C que o dinheiro fica acumulando na conta'João Laet / Agência O Dia

Rio - Após 20 anos de polêmicas envolvendo suposto desvio de dinheiro público, enfim, ‘Chatô, O Rei do Brasil’ chega ao cinema no dia 19. Dono de uma dívida que já passa os R$ 71 milhões — valor que deve restituir aos cofres públicos — o diretor e produtor, Guilherme Fontes, desabafa sobre a saga que enfrentou e adianta que contará detalhes inéditos dos bastidores em livro, teatro e mais dois filmes.

Depois de tantos percalços, como foi possível o filme chegar às telas?
A partir do dia 19, ele não me pertence mais. Os primeiros cinco anos foram glórias, progressos, documentários, pesquisas, muita gente sendo formada. Eu tinha quatro empresas. Depois disso, começou a grande farsa, quando eu passei a ser vitimado pelo meu próprio personagem.

Como assim?
Tem aquela história de que o autor acaba se envolvendo tanto que fica doente por causa do personagem. No meu caso é como se ele tivesse criado uma grande farsa para se divulgar e falarem mais dele. Nunca se falou tanto de um filme como desse. Virou uma lenda, uma piada.

E a partir de qual momento houve a denúncia anônima de que você estaria desviando verba?
Agressão midiática só se vence com grana, comprando mídia. É assim que funciona. Eu não tinha grana, nunca fui uma pessoa rica. Tinha que fazer novela atrás de novela para poder resolver esse problema e me defender.

Hoje, você sabe de quem partiu a denúncia?
Sei, claro. Um dia as pessoas também vão saber.

Então, acha que o fato de você ter conseguido captar tanto dinheiro na época despertou inveja?
Foram R$ 8,6 milhões de dinheiro público e mais alguns que eu botei. É... Foi só isso. Foi uma coisa tão pequena, ridícula. O resto foram processos derivados dessa mentira. Processos que pouco a pouco eu tenho ganhado.

Em algum momento foi provado alguma irregularidade e desvio de verba?
Zero! Não da minha parte. Isso se estendeu tanto porque uma vez feita a denúncia, ela tem que seguir um rito. E não teve nenhum governante de lá para cá, nenhum ministro da Cultura que teve o mínimo de decência para resolver isso. A pessoa que teve mais decência até agora foi a Ana de Hollanda (Ministra da Cultura de 2011 a 2012).

Na época, como você encarou a denúncia?
Como uma ofensa muito grande do governo, de estar quebrando o contrato comigo e suspeitando da minha inocência e zelo pelo dinheiro público.

Além do dinheiro público, o que mais foi captado e investido?
Dinheiro meu... O projeto todo nasceu como multimídia, que engloba documentários, séries e filme. Para chegar ao filme de ficção, eu precisava que ele fosse multimídia, para estudar e procurar os fatos nos quais eu me inspiraria para recriar a vida do Chatô. E esses produtos seriam vendidos e gerariam recursos para eu poder ir para o próximo com o dinheiro. Nunca fiquei como todo mundo faz, que o dinheiro fica acumulando na conta.

Quanto de dinheiro próprio você colocou no filme?
Uns R$ 3 ou 4 milhões.

Diante de toda essa polêmica, como foi captar o restante do dinheiro?
Levei três anos para captar 80% e mais 15 anos para captar os 20% restantes. Foi ridículo. Acabou a credibilidade. Tinha muita gente com rabo preso, não queriam se indispor com o governo e fecharam as portas mesmo.

E patrocínio depois de toda essa história?
Consegui com a Petrobras. Mas aí, veio o governo Lula e travou o contrato. Consegui com a prefeitura, aí mudou para o Eduardo Paes e travou o contrato também. A Petrobras me processou. Mas também é uma coisa que a gente vai dissipar agora. Uma acusação extrema, eles corroboraram para a não existência do filme.

E como você conseguiu encarar o linchamento moral?
Achando que toda essa gente é pequena e que não presta mesmo. Estou nem aí para eles. Esperei o tempo que tinha que esperar. Na classe, eu sabia quem estava fazendo e por que estava fazendo.

Mas você pode citar alguns desses nomes? Já citou em outras entrevistas, pelo menos a Mariza Leão.
Muito feio o que a Mariza fez, muito cruel. Ela era produtora delegada da Rio Filmes para criar uma transparência e dar satisfação ao mercado. Basicamente, tinha que ir ao set, ver o que está rolando, receber as notas fiscais e carimbá-las. Mas ela nunca foi ao meu set e demorou uns quatro meses para carimbar as notas. As pessoas ficaram sem receber. Ela fez a gente sofrer demais.

Você precisou filmar mais cenas 15 anos depois?
Não precisei, não. Isso está saindo errado por aí. Nunca tive problema de continuidade. Quem conhece o livro sabe que a história vai e volta muito. Tive três narrativas de ida e volta. Nunca existiu filmagem 15 anos depois. Meu filme não é ‘Boyhood’. A última filmagem foi em 2004. A preparação foi em 1998. Comecei a rodar em 1999. Filmei 16 semanas no primeiro ano. Depois, em 2002, mais três e, em 2004, o resto.

Depois de tudo, o que você leva como aprendizado?
Nunca desistir dos meus objetivos. Foi legal ter defendido tudo isso pela qualidade do filme. Mas eu nunca mais começaria um projeto sem ter o dinheiro todo. Meu erro clássico foi esse. Foi burrice minha.

Atualmente, quanto o Tribunal de Contas da União está te cobrando?
Hoje, atendo questões burocráticas. Esses números não existem.

O último número que foi publicado estava em R$ 71 milhões...
Mas eu já economizei uns 70 com os processos que recorri! Ganhei 50 ali, depois uns 30 lá... E agora vou tirar esses últimos 70 aí e vai sobrar umas 500 pratas para eu pagar, e isso vai se resolver.

Você pretende pagar a dívida que sobrar com a bilheteria do filme?
Claro! Mas o meu objetivo inicial é qualidade do filme e bilhete. Só penso nisso. Qualidade eu já venci. Agora, vamos aos bilhetes. Vamos estrear com 150 cópias em todo o país. Se a primeira cópia ficar três semanas em cartaz, sei que deu certo.

Depois de duas décadas, você já está de saco cheio de falar sobre tudo isso, né?
Estou de saco cheio de falar sobre mídia, sobre imprensa. No sentido que o meu personagem principal é um homem de imprensa. Ao mesmo tempo, acho que, com a internet, a mídia virou o primeiro poder. Os governos se movimentam conforme a mídia toca. A mídia foi completamente leviana e tendenciosa pela forma que retratou essa história.

Você pretende criar algo sobre toda essa história?
Claro! Teatro, livro e documentário e um roteiro de ficção. A peça já tem até nome: ‘Esse Otário Sou Eu — Palhaçada Tem Hora’. Me sinto muito otário de ter acreditado nesses caras. Só vou esperar o filme entrar nas salas.

Depois da estreia, acha que seu nome ficará limpo?
Eu sou um ator. Os personagens mudam a minha cara de tempo em tempo. Então, esse cara que criaram, o mafioso, deve se dissipar com o filme. Mas, sem dúvida, ficaram as cicatrizes. Estou para calcular os prejuízos econômicos que tive. Qual vai ser a soma? Quanto eu ganhava, quanto valia na época, quanto seria a bilheteria na época, acrescido de todos os centímetros de mídia difamatória, sacode, aplica os juros e multa que aplicaram em mim, e aí vai dar o valor. Um dinheirão bem maior do que eles estão me cobrando.


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