Por gabriela.mattos
Rio - Com o aumento da expectativa de vida dos brasileiros calculada pelo IBGE, o segurado do INSS corre o risco de somente se aposentar aos 70 anos. É o que prevê emenda à Reforma da Previdência que cria uma espécie de "gatilho" para idade mínima. Ou seja, toda vez que a expectativa de vida sobe após 65 anos, a aposentadoria ficará mais distante. O mecanismo determina acréscimo de um ano na idade mínima a cada quatro anos de revisão da tabela. Mas atenção: trabalhadores que já tenham atingido o tempo para aposentar (30 anos para mulheres e 35 para homens) conseguem escapar da reforma por já terem direito adquirido, alertam especialistas.
Vale lembrar que a PEC 287 em tramitação no Congresso prevê 62 anos para mulheres e 65 anos para homens pedirem o benefício do INSS. "O 'gatilho' também atinge categorias especiais como professores, policiais e trabalhadores rurais", alerta Cristiane Saredo, do escritório Vieira e Vieira Assessoria Jurídica e Previdenciária.
'O ‘gatilho’ atinge categorias que conquistaram idades mínimas menores%2C comoprofessores e policiais'%2C diz a advogada Cristiane SaredoSandro Vox / Agência O Dia

Entre 2015 e 2060, o IBGE projeta que a expectativa de vida do brasileiro a partir dos 65 anos passará de 18,4 para 21,2 anos. Isso significa que a idade mínima aumentará um ano automaticamente. "O gatilho garante que a evolução da idade mínima conforme a expectativa de vida das pessoas", explica o secretário de Previdência, Marcelo Caetano.

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"A cada quatro anos, mais ou menos, após a divulgação da tábua de mortalidade do IBGE, a idade subirá de 62 anos (mulheres) ou 65 anos (homens), para 63 anos e 66, respectivamente, e assim por diante até 70 anos", explica a vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário, Adriane Bramante.
"Por exemplo, a mulher que está com 40 anos, ao atingir a idade mínima proposta hoje (62 anos), só poderá se aposentar com com aproximadamente 67 anos", exemplifica.
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Valor do benefício
E a "pegadinha" não é só no tempo de trabalho. A Reforma da Previdência também afeta diretamente o valor do benefício concedido ao segurado. O tempo mínimo de contribuição para os trabalhadores da iniciativa privada continua a ser de 15 anos. Mas, quem se aposentar após cumprir a exigência terá direito a apenas 60% do benefício integral, atualmente esse percentual está em 85%.
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"Uma aposentadoria por idade hoje para uma mulher com 60 anos, 15 de contribuição e renda média de R$ 3 mil, seria R$ 2.550, ou seja 85% da média de contribuições. Mas, caso seja aprovada a Reforma da Previdência, o benefício seria R$ 1.800, ou seja 60% da média de contribuição", calcula Adriane.
Trunfo do governo para não 'perder dinheiro' ao reduzir pacote
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?O 'gatilho' da idade mínima é o principal trunfo do governo para manter os efeitos da proposta por um tempo maior e gerar economia de, aproximadamente, R$ 480 bilhões em dez anos, cerca de 60% do previsto no texto original. Um ponto que chama atenção, segundo Eduardo Fagnani, professor do Instituto de Economia da Unicamp, é que ao mesmo tempo que o governo Temer quer "economizar" na Previdência, trabalha para aprovar no Congresso a Medida Provisória 795/2017, que reduz impostos para petroleiras até 2040 e geraria a renúncia fiscal de R$ 40 bilhões por ano ou R$ 1 trilhão em 25 anos, segundo estudo da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados.
"Isso representa mais de 20 anos da suposta economia que seria obtida com a reforma", diz.
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O professor alerta para o risco de as receitas previdenciárias despencarem nos próximos anos por conta da Reforma Trabalhista, que precariza o salário e, consequentemente, as contribuições para o INSS. E também pelas dificuldades impostas ao trabalhador para se aposentar."As dificuldades são tantas que devem migrar para a previdência privada", diz Fagnani.
Avaliação similar tem o senador Paulo Paim (PT-RS). "Quando o trabalhador perceber que tem condições de se aposentar pelo INSS, vai contribuir com o mínimo e, no longo prazo, vai para a previdência privada, que é gerida pelos bancos", aponta Paim.
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Um ponto destacado pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) é o fato da isonomia (igualdade) nõ ser respeitada. "O governo anunciou a redução do tempo mínimo de contribuição de 25 anos para 15 anos, mantendo a regra atual. Mas só para o Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Os servidores seguem com a exigência de 25 anos", adverte Luiz Alberto dos Santos, consultor legislativo do Senado.
Mecanismo tem que ser implantado por uma lei ordinária
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?O 'gatilho' da idade mínima somente entrará em vigor quando o Congresso Nacional aprovar uma lei ordinária regulamentando como será calculada a expectativa de vida da população.
"Anualmente o IBGE divulga a tabua de mortalidade expondo a expectativa de sobrevida dos brasileiros (de ambos os sexos) para cada uma das idades 'cheias', até os 80 anos", informa Luiz Felipe Veríssimo do Instituto de Estudos Previdenciários (Ieprev). E complementa: "Ou seja, hoje possuímos uma expectativa de sobrevida para os brasileiros com 65 anos de idade referente ao ano de 2016, divulgada no último dia 1º. Logo, sempre que verificar-se que essa expectativa de sobrevida aos 65 anos aumente em um ano inteiro, a idade mínima para aposentadoria também terá um aumento em um ano".
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Ele explica que a redação atual da PEC prevê que a idade mínima será fixada em 62 anos de idade para as mulheres e 65 aos homens, quando se verificar este aumento da expectativa de sobrevida essas idades mínimas também serão majoradas um ano a cada quatro. Nesse caso, a PEC prevê que uma lei posterior (essa que aguarda votação na Câmara) definirá como essa majoração seria realizada.
A PEC acrescenta o § 15 ao Artigo 201 da Constituição Federal que assim está redigido: "A lei estabelecerá a forma como as idades previstas nos incisos I e II do § 7º e no § 8º serão majoradas em um ano quando houver aumento em número inteiro na expectativa de sobrevida da população brasileira aos sessenta e cinco anos, para ambos os sexos, em comparação com a média apurada no ano de publicação desta Emenda."
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"É uma questão técnica, não há como determinar isso (a elevação da idade mínima, de acordo com a tábua do IBGE) por meio da Constituição", diz o secretário de Previdência Marcelo Caetano.