Rio - Julgando incoerentes os posicionamentos políticos de amigos para o segundo turno das eleições, expostos em sua ‘linha do tempo’ no Facebook, a produtora cultural Camila Martins, 26, eleitora de Dilma Rousseff, escreveu na rede: “E agora, gente? Vou vomitar”. Foi a deixa para o cantor e diretor teatral Beto Brown, 53, que vai de Aécio Neves após ter votado em Marina, comentar: “Vomita, aí”. O resultado do diálogo foi a amizade desfeita na rede.
O fato é que Dilma e Aécio estão parecendo amiguinhos de infância perto de seus correligionários internautas, sejam eles ‘petralhas’ ou ‘coxinhas’ — conforme se chamam, respectivamente, na rede. A patrulha ideológica no território livre da internet chegou a níveis nunca antes alcançados na história desse país. “Pensei em sair do Facebook pela minha sanidade. Não consigo me segurar, e tem muita gente querendo briga. Não sou partidária cega, mas também não gosto de injustiças”, diz Camila.
Já Beto, que bloqueou quatro pessoas recentemente, depois que foi insultado por torcer contra o Brasil na Copa (“por motivos políticos”), é exemplo de um cenário complexo: posou de verde para a foto desta página para lembrar Marina, e vai votar de preto no candidato da cor azul, “pela alternância no poder”.
Nos últimos dias, ele andou se estranhando com a atriz e produtora Marta Paret, 40, com quem trabalhou há pouco tempo. Petista de carteirinha, que não perde oportunidade de postar fotos com comparações entre governos do PT e PSDB, ela escreveu que Beto andava politicamente perdido, mas a desavença acabou num encontro bem-humorado, no mundo real. “Você viu a foto linda do Aécio bêbado com a mulher de fio dental?”, Marta alfinetou. “Já apurei que é montagem”, Beto retrucou.
“Não devo coerência nem satisfação a ninguém, só a mim”, afirma o diretor. E a atriz opina: “Provocação virtual faz parte do jogo, retrata a época. E um bom argumento pode influenciar a escolha”. No fogo cruzado eletrônico, nem a declaração do voto nulo garante proteção. Com 5 mil amigos e 3.335 seguidores, o crítico de cinema e DJ Marcelo Janot foi retirado da lista de um amigo de longa data por ter questionado os dois candidatos sobre o desmatamento.
Sem apoiar ninguém no segundo turno, Janot foi excluído por 20 pessoas por sua postura crítica ao patrulhamento. “Preguiça e pena dos patrulheiros fundamentalistas que acham que votar nulo é a mesma coisa que votar no candidato que não é o deles”, postou ele. “Está puxado, e vai piorar até o dia 26. Vale a pena sacrificar amizades em nome do fanatismo político?”, questiona ele. Faz sentido a piada pescada dia desses na internet, sobre o criador da famosa rede social: “Mark Zuckerberg deve estar preocupado com o segundo turno das eleições no Brasil”.
Igual a fim de campeonato
A expectativa era grande pelo poder das redes sociais no pleito de 2014, quando mais de 61 milhões de brasileiros têm perfis no Facebook. As ‘linhas do tempo’ estão cheias de gráficos, capas de jornal antigas, estatísticas comparativas e fatos nem sempre confirmados. Há ‘memes’ de todo tipo, num universo em que qualquer um pode espalhar insultos e invenções sem dar satisfações aos tribunais eleitorais.
“A exacerbação era previsível. A insegurança e o grau de incerteza nessa eleição, a mais disputada dos últimos tempos, acirram os ânimos, e há ressentimentos. São os dois lados que polarizam a política há muito tempo no Brasil”, afirma o cientista político Fernando Lattman Weltman, professor da Uerj.
“Temos em nossas redes conhecidos de diversas áreas e momentos da vida, e nessa hora todos falam de política, evidenciando as divergências. É como decisão de campeonato, a vitória passa a ser questão de honra”, explica Fernando.