Por pedro.logato

Rio - Homem de gelo, como é conhecido pelos botafoguenses, Jefferson não é frio fora de campo. Seu sonho é encerrar a carreira pelo Botafogo e descansar em um sítio ao lado das filhas Nicole, Débora e Jéssica. Destaque do Alvinegro na Libertadores, o goleiro de 31 anos vive a expectativa de sua primeira Copa do Mundo, 11 anos após ter sido campeão mundial sub-20. Em alta com a torcida, ele se entristece com recentes casos de racismo no futebol e admite que já sofreu preconceito.

Jefferson tenta controlar ansiedade de olho na Copa do MundoAndré Mourão / Agência O Dia

O DIA: É difícil conter a ansiedade para a Copa?

JEFFERSON: Procuro não pensar muito, mas é inevitável porque está se aproximando. A gente começa a pensar um pouco mais, principalmente depois do jogo contra a África do Sul, quando o Felipão disse que o grupo estava praticamente 95% fechado. Agora já começamos realmente a sonhar. É manter os pés no chão e trabalhar para não deixar a ansiedade tomar conta.

O DIA: Você foi revelado por Felipão no Cruzeiro. O que ele tem de especial?

JEFFERSON: É a estrela dele e também a competência. É uma pessoa muito sábia, um treinador inteligente que sabe ganhar o grupo, usa de muita estratégia. Aperta quando tem que apertar, solta quando tem que soltar, chama a atenção, dá um puxão de orelha. Todo mundo fica na mão dele, no sentido de correr e fazer o que ele manda. É o cara que já ganhou de tudo e, quando manda fazer uma coisa, o time faz.

O DIA: O Felipão que você conheceu quando tinha 17 anos é o mesmo de hoje?

JEFFERSON: Sim. Muitas pessoas não conhecem o Felipão por inteiro. Acham que é aquele cara durão, rabugento. Pelo contrário, é superbacana, brinca com todo mundo. Na última preleção, os jogadores que não tiveram a oportunidade de trabalhar com ele, como o Fernandinho, falaram: ‘Cara, eu nunca dei risada numa preleção como na do Felipão’. O cara saiu concentrado e descontraído. Ele tem esse dom.

O DIA: Como foi quando ele te colocou para jogar em 2000?

JEFFERSON: Tirou uma âncora das minhas costas, o que ele faz com todos os jogadores. No primeiro jogo, eu estava ansioso e ele falou: ‘Vai lá, guri, joga o seu futebol como faz no juvenil e não precisa se preocupar. Se você tomar quatro, cinco gols, não se preocupe, você é o meu goleiro na próxima partida’. Aquilo me deu muita segurança e ganhamos o jogo por 1 a 0.

Jefferson aposta no trabalho no Botafogo para garantir uma vaga na Copa do MundoAndré Mourão / Agência O Dia

O DIA: A Seleção se encontrou com a dupla Felipão-Parreira? Por quê?

JEFFERSON: Experiência na Seleção. Também não podemos deixar de lado o que o Mano fez. Mas o Felipão já conhecia o caminho e as estratégias e isso facilitou. O Parreira nem se fala. São dois campeões que já conheciam a Seleção. Juntou os dois e está dando certo.

O DIA: Você já foi campeão mundial sub-20, em 2003. Quais as recordações?

JEFFERSON: Lembro dos detalhes. Quem fez o gol foi o Fernandinho. A gente teve jogador expulso. O futebol da Espanha é de toque de bola. Quando acabou o jogo, eu falei: ‘Eu não acredito, cara’. Tinha começado no banco. Éramos eu e o Fernando Henrique. No meio do campeonato, virei titular. Foi inexplicável pela sub-20. Se for pela principal, então, não tem nem como sonhar.

O DIA: Na última convocação, Felipão não garantiu Julio Cesar como titular. Como você analisa essa situação?

JEFFERSON: Não muda nada, até mesmo se Felipão dissesse que Julio já é o titular. Estou trabalhando, me dedicando no meu clube, nos treinamentos e ele está vendo. Sempre que vou à Seleção, às vezes não tenho a oportunidade de jogar, mas ele está vendo nos treinamentos. Tenho que respeitar a decisão do Felipão, ele quer o melhor para a Seleção.

O DIA: Como você se vê no grupo da Seleção?

JEFFERSON: Tenho a minha importância e o respeito de todos os jogadores. Já tive a oportunidade de ser capitão da Seleção, no jogo contra a Argentina, no Superclássico. Nenhum jogador ali questionou o fato de eu ser capitão. Na época, tinha Neymar, Paulinho. Fiquei satisfeito de saber do respeito e da gratidão de todos. Sempre que chego na Seleção tenho realmente o meu espaço. 

O DIA: Qual o maior goleiro que você viu jogar?

JEFFERSON: É difícil falar isso. Para mim, tecnicamente, foi o Taffarel. A gente até brinca, entre nós, goleiros, que ele nem pulava na bola pelo posicionamento e técnica. Você dificilmente via o Taffarel pulando e espalmando a bola.

O DIA: Recentemente, tivemos casos de racismo no futebol. Como você vê isso?

JEFFERSON: É muito triste, ainda hoje a gente vive o preconceito. Infelizmente, a gente não pode esconder que isso existe, discreta ou indiscretamente. Às vezes, andando de ônibus ou de metrô, você percebe. Se uma pessoa negra vai perguntar hora na rua é discriminada. Queria que isso acabasse, mas temos que conviver com isso, mesmo não querendo.

O DIA: Já sofreu racismo?

JEFFERSON: Quando pequeno, com certeza. Como falei, você passa perto de uma pessoa e ela pensa que por você ser de cor,vai roubar a bolsa dela, vai assaltar. Isso já um preconceito. Mas você tem que se adaptar. Chegou um momento em que nem a hora mais eu estava perguntando à noite para ninguém.

O DIA: O que fazer para combater o racismo no futebol? Perder pontos?

JEFFERSON: Isso não vai adiantar. Está faltando amor no coração das pessoas, respeito. Nossa palavra tem muito poder. O que a gente pode fazer é se unir, se fechar e dar apoio para as pessoas que estão sendo discriminadas, como o Tinga. Quem sabe as pessoas não vão se conscientizando que esse não é o caminho?

O DIA: Como vê o peso que o Barbosa carregou por 50 anos?

JEFFERSON: Não tem muito o que falar. Não estou defendendo a bandeira dele. Infelizmente as pessoas só lembram disso. Outros goleiros brancos erraram na Copa e ninguém fala nada. Tem que pegar alguém para Cristo. Ele disse uma frase que fiquei sabendo recentemente: ‘Eu fui o único brasileiro a ser condenado a prisão perpétua’. Isso dói. Escutar isso de uma pessoa que fez de tudo pelo seu país... Mas tem pessoas que sentem prazer em pisar na outra. Tenho oportunidade de disputar uma Copa como goleiro negro no Brasil. Muitas pessoas disseram que torceriam por mim por causa disso.

O DIA: Você quer encerrar a carreira no Botafogo?

JEFFERSON: Sonho em encerrar a carreira aqui. Até pela valorização que o Botafogo tem me dado, em todos os sentidos. Às vezes, só se pensa no financeiro, mas tem a confiança dos torcedores, ser o capitão do time. Não penso em sair do Botafogo. Só se for bom para o clube e eles me disserem que não tem como segurar. 

O DIA: Qual é o melhor treinador com quem trabalhou?

JEFFERSON: Talvez fosse injusto citar, mas em clubes, Felipão e Oswaldo, que é um cara inteligente demais. Foram fundamentais na minha carreira.

O DIA: O que pensa em fazer depois que se aposentar?

JEFFERSON: Em princípio, não penso em trabalhar com futebol. Não sei para frente. Não vou ficar em casa sem fazer nada, mas quero ficar com a família. Arrumar um sítio, já estou vendo algumas coisas. Não é para tirar leite, essas coisas (risos). Meu sogro está se aposentando em dois anos e vou ficar um pouco por lá com peixe, mato, essas coisas. Isso não tem preço. Minhas filhas já falam em ter porquinho e coelhinho.

O DIA: Você saiu de casa muito cedo, em São Paulo. Como foi?

JEFFERSON: Saí de casa com 13 para 14 anos. Foi doído. Chorei muito. Mas sempre fui assim. Com 14 ou quando tive outros momentos difíceis, como quando fui para a Turquia, nunca pensei em voltar. Nunca. Chorava, chorava, chorava e olhava para frente.

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