Rio - Já se passaram 43 anos, mas até hoje o ex-árbitro José Marçal Filho é lembrado apenas pela final do Carioca de 1971, entre Botafogo e Fluminense. Naquele dia, ele não viu falta do lateral Marco Antonio no goleiro Ubirajara, no lance que resultou no gol de Lula e decretou o título tricolor. Hoje, com bem vividos 75 anos, o atual assessor de arbitragem da Ferj e professor de futebol na escolinha do bairro de Vista Alegre, continua convicto de que acertou.
“Estava certo. O goleiro saiu para dar um tapinha na bola em cima do Marco Antônio, só que deu azar pois ela bateu no Lula, que fez o gol. Eu estava muito bem colocado na jogada, não houve falta do Marco Antônio”, argumenta o ex-árbitro, que caiu em desgraça com a torcida botafoguense, após o lance polêmico. Na época, chegou a ser chamado de “frango de macumba” pelo jornalista alvinegro João Saldanha, com quem se encontrou dias depois da final, na redação de um jornal carioca.
“Um amigo em comum armou o encontro para acabar com o mal-estar. Fui de terno e gravata e o Saldanha não me reconheceu. Ele me pediu para sentar, mas eu recusei. Quando fui apresentado, imediatamente ele abriu a gaveta da mesa onde guardava o revólver e disse: “Eu não xinguei você, xinguei o árbitro”. Aí ele me quebrou”, relembra, bem-humorado, o ex-juiz, que depois de ficar algum tempo na geladeira, voltou a apitar grandes clássicos do futebol brasileiro sem se envolver em polêmicas.
“Apitei na inauguração do Castelão e em muitos clássicos em todo o Brasil. Em uma ocasião, o Pelé chegou a dizer que eu era o Pelé do apito. Foi um elogio e tanto. Guardo até hoje o jornal”, diz, orgulhoso
Fã de Armando Marques, sua maior inspiração nas quatro linhas no passado, hoje Marçal Filho aponta seus árbitros prediletos.
“Gosto do trabalho do Marcelo de Lima Henrique e do João Batista de Arruda, que é muito correto e não dá conversa para ninguém. O Luiz Flávio de Oliveira também é muito bom. Corre muito e está sempre em cima da jogada”, analisa, o ex-juiz.
TESTEMUNHA DA HISTÓRIA
Mineiro de Viçosa, Marçal veio com a família para o Rio com apenas 10 anos e foi morar no antigo morro da Coroa, hoje Catumbi. Para ajudar em casa, fazia todo tipo de biscate. Trabalhava como engraxate, vendia cocada e revendia muçum como se fosse bagre. “Eu cortava a cabeça do muçum, que parece cobra, e vendia na feira como bagre. Cada semana vendia em uma esquina para não ter problema”, conta, às gargalhadas, lembrando sem vergonha os tempos difíceis da infância e adolescência.
“Estava na porta do Palácio do Catete, descarregando um caminhão de tijolos quando escutei um tiro. Aí fecharam a rua e fiquei sabendo da morte do Getúlio Vargas. Até hoje não entendo.”
Mas a tragédia Vargas não abalou a confiança de Marçal na vida. Ele treinava duro, após passar horas carregando madeiras de compensado, em um carrinho ‘burro sem rabo’, nos arredores de Bonsucesso. Mesmo não vingando como jogador nos clubes do subúrbio, Marçal não desistiu e passou a apitar peladinhas a convite de Esquerdinha, ex-jogador do Flamengo.
Em 1965, o esforço foi recompensado. Após fazer vários cursos, ele entrou para a Ferj e apitou pela primeira vez no Maracanã: “Era para ser um dia alegre, mas foi muito triste. Meu pai morreu e eu não tinha o dinheiro do enterro. Apitei sem ninguém saber da morte dele. No dia seguinte, quando recebi, paguei o enterro. Depois não parei mais. Sempre trabalhei com lisura, me orgulho disso.”