Por pedro.logato

Rio - A pior derrota da seleção brasileira em sua história — 7 a 1 para a Alemanha — abriu feridas e escancarou a crise no futebol pentacampeão. Campeonato nacional sem craques, times falidos, confederação milionária, problemas na base e na legislação, dirigentes amadores e violência nos estádios são alguns fatores do calvário do nosso futebol. Para traçar um panorama do esporte que movimenta bilhões e motiva há mais de um século a paixão de toda uma nação, O DIA inicia a série ‘Raio-X do Futebol Brasileiro’, em cinco capítulos. Neste primeiro, vamos abordar o quanto o desenvolvimento do futebol vem sendo prejudicado.

Os 20 clubes da Série A recebem, juntos, em torno de R$ 900 milhões anuais do contrato com a TV, valor nada desprezível — o país é o sétimo entre as maiores cotas, apesar de longe da Inglaterra, com R$ 3,8 bilhões. Num mundo à parte, a CBF nada em dinheiro, muito longe da penúria financeira dos clubes, que têm no dinheiro da televisão a principal fonte de renda.

Derrota para a Alemanha foi a maior da história da SeleçãoReuters

A confederação que em 2013 teve receitas de R$ 436,5 milhões gasta mais da metade disso (R$ 269,7 milhões) em despesas operacionais, enquanto os clubes estão cada vez mais quebrados. A premiação para a Série A do Brasileirão é de R$ 30 milhões, valor irrisório se comparado ao da Liga Inglesa, referência mundial.
Campeão brasileiro de 2013, o Cruzeiro levou R$ 9 milhões de premiação pelo título, enquanto o Manchester City recebeu R$ 94,6 milhões. O Norwich, que foi rebaixado e acabou na 18ª posição, embolsou R$ 14,1 milhões.

Investimentos da CBF não utilizam clubes como prioridadeCarlos Moraes / Agência O Dia

Futebol é um negócio que movimenta bilhões, precisa ser tratado com responsabilidade e, sobretudo, profissionalismo. “O torcedor da Copa não volta. Tiraram a ornamentação da Fifa e não botaram nenhuma identidade visual. Poderia haver ações como a entrada com crianças que o McDonalds fazia. Mas os dirigentes só pensam em placa de publicidade e camisa. Amador não pode ser gestor. A Fifa faz isso bem”, diz Fernando Ferreira, economista, especialista em gestão e marketing do esporte e fundador da Pluri Consultoria. “No momento em que criarem uma liga, colocarem na mão de profissionais como fazem no México, o negócio começa”, acrescenta.

O atraso não é só financeiro. Não produzimos mais tantos talentos. Exceção a Neymar, nossos destaques são zagueiros, como Thiago Silva e David Luiz. Os nossos clubes cederam só quatro atletas à Seleção na Copa — dois goleiros.

Alemães apostam em rotina de treinos para brilhar no gramado

Jogando na Alemanha desde 2008, o brasileiro Raffael encontrou o sucesso no país campeão do mundo, bem longe dos gramados esburacados da terra onde deu os primeiros chutes. Como profissional, estreou pelo Chiasso, da Suíça. Na Alemanha, já defendeu o Hertha Berlim, clube em que foi um dos ídolos, Schalke e agora joga pelo Borussia Mönchengladbach.

Para ele, os métodos de treinamento do país fazem o jogador aprimorar a técnica. “Os treinamentos na Alemanha são bem mais específicos. O jogador desenvolve seus fundamentos e aprimora situações de jogo. Aprendi muito com isso quando cheguei aqui. Tinha visão bem diferente do futebol e cresci, sobretudo no aspecto tático”, explica Raffael, de 29 anos.

Público nos estádios brasileiros tem diminuídoAlexandre Brum

A tão falada compactação alemã, que encanta o mundo e surpreendeu, principalmente, a seleção brasileira na Copa, não é fruto do acaso. Trata-se de um estilo de jogo treinado exaustivamente pelos técnicos do país na busca incessante pela perfeição.

“Os treinadores preparam o time para atuar de forma compacta, com os jogadores próximos uns dos outros. E o aspecto físico também é muito puxado. No Brasil, as atividades são outras. A parte física é forte, mas os trabalhos táticos são diferentes da Europa”, opina Raffael, irmão de Ronny, lateral-esquerdo revelado pelo Corinthians, que hoje atua no Hertha Berlim.

Na Europa, prioridade para a pré-temporada

Na busca por culpados após o fiasco da goleada até Neymar deu sua contribuição. Em entrevista ao programa ‘Fantástico’, o craque apontou que, “no Brasil se treina mais, mas com um pouco de corpo mole”. O ex-atacante Sávio, que atuou 10 anos na Europa e jogou entre outros times no Bordeaux e no Real Madrid, concorda com a afirmação.

“A pré-temporada na Europa é forte. Tem parte física, técnica e muitos amistosos. Depois, durante as competições, treina-se bem, de uma forma dinâmica, mais curto e com qualidade. No Brasil, os treinos são mais lentos, mais longos e muitas vezes sem qualidade”, diz o ex-jogador do Flamengo.

Sávio falou sobre diferenças entre Brasil e EuropaArquivo

Ele também comentou a vexatória semifinal da Copa do Mundo. “Os 7 a 1 nunca terão explicação. Foi um placar vergonhoso, humilhante. O Brasil é muito grande para isso. Hoje, a Alemanha é amplamente superior e demonstrou isso na Copa. Eles vêm de um projeto a longo prazo, profissional e bem elaborado pela federação e pelos clubes”, ressalta.

O atacante Alan, ex-Fluminense, reconhece a diferença entre os métodos de treinamento: “Aqui na Áustria, no Red Bull Salzburg, os treinos são mais intensos, com muitos exercícios de força e táticos. No Fluminense, treinava mais a parte técnica e fundamentos. É difícil dizer qual é melhor. Acredito que em cada país a forma de treinamento seja padrão para o futebol praticado nas ligas nacionais. Aqui na Europa, a parte tática é muito valorizada pelos clubes e treinadores. E isso é sentido diretamente no futebol praticado aqui.”

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