Rio - O fim da geração ‘R’, que começou com Romário (Copa de 94) e passou por Ronaldo (1994, 98, 2002 e 2006), Rivaldo (1998 e 2002) e Ronaldinho Gaúcho (2002 e 2006), trouxe muitos problemas à Seleção. Nas duas últimas Copas do Mundo, exceção feita a Neymar, nenhum talento inquestionável foi revelado pelo futebol brasileiro. As posições de meia e centroavante, que, em outros tempos tinham muitos candidatos a vestir a Amarelinha, parecem ter sido esquecidas no trabalho com os jogadores de base. Nos clubes ou até mesmo na Seleção, quando uma das duas é preenchida, é motivo de comemoração.
Milhões de jogadores sonham ser estrelas, mas o caminho nas categorias menores é difícil. A falta de visão dos clubes e o apetite desenfreado dos empresários são responsáveis pela debandada cada vez mais cedo dos garotos. Recentemente, o Flamengo vendeu Caio Rangel, de 18 anos, porque não conseguiu renovar o salário da promessa e ficou com medo de perdê-lo de graça. No entanto, algumas apostas dão errado. Lulinha, ex-jogador do Corinthians, talvez seja a mais famosa. Ele tinha contrato longo e multa rescisória de 50 milhões de euros. Hoje, joga a Série B pelo Ceará.
“Um dos problemas é não olhar o futsal. Mas o maior é a transição dos juniores para o profissional. Esses meninos chegam muito novos. A qualidade do futebol vem caindo porque os melhores jogadores saem muito cedo e você tem que apostar nos mais novos e não completos psicologicamente. Eles não encerraram o ciclo de treino de base. Sobem pela necessidade e, às vezes, faltam detalhes cruciais. Na Europa, o jogador só está pronto aos 23 anos”, explica o treinador Marcus Alexandre Cravo, que trabalhou nas categorias de base de Vasco e Botafogo e foi um dos responsáveis pelo surgimento de jogadores, como Felipe, Pedrinho, Philippe Coutinho, Luan e Dória, entre outros.
Marcos Motta, sócio da Bichara e Motta advogados, é um dos mais referendados em Direito Desportivo no mundo e exemplifica o descaso com as categorias de base: “No Rio, apenas um clube é certificado pela federação como formador. Só o Nova Iguaçu, nenhum dos grandes.”
O advogado, que participou da atualização da Lei Pelé, muito criticada por clubes e empresários, defende a legislação vigente com um argumento simples. “A Lei Pelé é uma das mais modernas do mundo quanto a empresários e clube formador. O que falta é aplicá-la. Pela lei, não se pode dar parte total ou integral da multa rescisória (a empresários)”, exemplifica.
Entre os treinadores, renovação também é lenta
A falta de renovação entre os treinadores é outro grave problema. A volta de Dunga à Seleção desapontou a opinião pública que, em pesquisas, mostrou-se favorável até a vinda de um estrangeiro. Outro fato que ilustra a falta de renovação é que Flamengo, Atlético-MG, São Paulo, Grêmio e Inter têm os mesmos técnicos de 19 anos atrás.
“Podemos contar nos dedos os treinadores que estão buscando conhecimento, congressos em que profissionais de ponta participem ativamente, reuniões periódicas para a troca de informações. Estou fazendo o curso de treinadores da CBF e essas questões são amplamente discutidas, mas não vemos isso sendo colocado em prática”, ressalta Fabio Lefundes, preparador físico e auxiliar-técnico do Jeonbuk, clube da Coreia do Sul.
Ele vê os 7 a 1 do Brasil para a Alemanha como um divisor de águas: “Na parte tática do futebol brasileiro, o apagão contra a Alemanha será positivo. Estamos muito atrasados no planejamento do trabalho.”
Força física rouba o espaço do talento
Ex-treinador das seleções brasileiras sub-15 e sub-17, Lucho Nizzo critica o excesso de jogadores fortes, deixando a qualidade técnica em segundo plano. Para ele, muitos craques mais fracos fisicamente teriam dificuldade hoje. “Perdemos a finalidade de fazer jogadores brasileiros e passamos a trabalhar para o mercado externo. Em vez da qualidade técnica, buscamos tamanho. Hoje, Romário e Bebeto não jogariam. São pequenos, mas tinham qualidade técnica absurda. E futebol é democrático, joga quem tem qualidade”, analisa o treinador do sub-23 do Al Nassr, da Arábia Saudita.
Nizzo sente falta do clássico camisa 10: “Destruir é mais fácil do que construir. Não temos mais os meia-atacantes. A mística do camisa 10 não temos, quiçá atacante. Os poucos que temos viram centroavantes. Atualmente, trabalhamos com três ou quatro na marcação, priorizando a força em vez da qualidade. Vimos a Alemanha e fazíamos isso com Andrade, Falcão, Cerezo. Jogávamos e marcávamos.”
Nizzo admite que já viu interferência nas categorias de base e que muitas vezes as divisões menores viram cabides de emprego: “Temos que entender que o futebol da base é alicerce. Tem muita colocação de amigos, ex-jogadores. Nada contra ex-jogadores, mas tem que se qualificar para formarmos homens e cidadãos”, adverte. Nizzo comenta os 7 a 1 da Alemanha: “Só se fala na base quando tem algum fracasso. A última vez foi na goleada do Santos para o Barcelona (8 a 0). Agora, é no vexame da Seleção. Tínhamos que ter mesa redonda com os profissionais da base, mas só com a base”.