Por pedro.logato


Rio - O bebê da ‘tia Dani’ cresceu. Na mesma proporção dos inúmeros puxões de orelha que levou na juventude. Hoje aos 23 anos, Mayra Aguiar é uma referência do judô brasileiro e grande esperança de conquista da medalha de ouro nos Jogos do Rio, em 2016. O maior mérito, talvez, foi ter deixado a imaturidade para trás, ainda aos 14 anos, para se transformar numa campeã mundial, ano passado. Tarefa dividida com a amiga e protetora Danielle Zangrando. Com perseverança e paciência, moldou-se o talento.

Pelas mãos de Danielle, a gaúcha se fez atleta. Mais experiente, Danielle estava havia 10 anos na seleção brasileira, em 2005, quando resolveu adotar uma menina bagunceira, recém-chegada à equipe. A gota d’água foi durante uma viagem para o Japão. A jovem excursionava com o time brasileiro, esqueceu seu passaporte com uma companheira e não pôde embarcar de volta ao Brasil. Naquele momento, Dani percebeu que precisava intervir.

Para alegria de Mayra, Danielle voltou à Seleção como auxiliar em 2013Maira Coelho

“Aquilo foi o limite. Pensei: ‘deixa eu tomar conta dela’. É preciso ter responsabilidade desde cedo. Brinco que, quando a adotei, a chamava de bebê e ela até me odiou de tanto que peguei no pé. Não deixava largar roupa no chão do quarto, e ela reclamava: ‘Ai, Dani, você é muito chata’. Mas era para o bem dela”, lembra Danielle, saudosa. “Foi uma fase bacana. Na época, ela tinha admiração por mim. Hoje quem é a fã dela sou eu. Olho para trás e digo que valeu a pena”, lembra Danielle.

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Com duas Olimpíadas no currículo (Atlanta-96 e Atenas-2004), Zangrando foi abnegada e emprestou seu tempo para que a pequena Mayra evoluísse. E funcionou. No Pan de 2007, no Rio, o bebê mostrou que já havia crescido e conquistou a prata na categoria até 70kg. O primeiro pódio no adulto, que abriria caminho para conquistas em série, como o bronze em Londres (2012) e o primeiro lugar no Mundial de 2014, na Rússia (-78kg). Um bom puxão de orelhas funcionou, e a própria gaúcha concorda.

“Ela foi uma mãezona. Era durona, mas me ajudou muito. Eu era um pouco bagunceira (risos) e ela me dava dicas de treino, apoio psicológico e até me passava músicas para relaxar antes das competições. Eu era jovem e muito pressionada por resultados. Conquistei a medalha no Pan e ainda não estava pronta, formada. Ela foi importante para mim”, agradece Mayra, completando: “Ela ainda me chama de bebê. Serei sempre o bebezão dela”.

REFERÊNCIA

Mayra assume que era bagunceira mas mudou de vida devido ao apoio de DanielleMaira Coelho

Humilde, Danielle, 35 anos, não toma para si o mérito de ter moldado Mayra e acredita que ela só acordou para seu destino: ser uma das melhores do mundo. Mas quem acompanha essa trajetória sabe que há o dedo da Dani em cada conquista da pupila.

“Acho que ela ia perceber em algum momento e só ajudei a se transformar no que é. Ela viu que tinha que abrir mão de muita coisa. É menina, bonita, atrai olhares dos homens. Sabe que tem que se divertir, mas também tem responsabilidade. Hoje é uma das principais atletas. Tem cobrança e lida bem com isso”, declara Dani.

A recíproca é verdadeira, e Mayra guarda com carinho o que aprendeu. Dos ‘rolinhas’ nos treinos aos longos sermões, ela soube aproveitar as lições da tia Dani. Agora, passa adiante os ensinamentos.

“Nós carregamos o nome do Brasil, dentro e fora do tatame. Sou espelho para muitas gurias. Aprendi isso com a Dani, com a Vânia Ishii e com a Edinanci. Tenho que me portar como diferenciada. Como eu me espelhava nas mais velhas, hoje as mais novas se espelham em mim. Então, procuro passar isso adiante. É um ciclo. Hoje sou eu, amanhã será outra”, frisa a campeã da simpatia.

NOVA FUNÇÃO

O convívio entre elas foi interrompido em 2010, com a aposentadoria de Danielle. No entanto, elas voltaram a trabalhar juntas no segundo semestre de 2013, com o retorno da veterana como auxiliar-técnica. “Assim que a Dani chegou, disse: ‘Estou de volta, vou continuar te pentelhando’. Até falei que ela podia ir ao quarto e ver que está tudo arrumado (risos). Só ganhamos com a Dani por perto”, elogia Mayra.

Zangrando segue olhando por Mayra, mas agora divide as atenções com as novatas que chegam à Seleção. Porém, o bebê ainda é o preferido. “Para chegar ao nível da Mayra ou ser uma Mayra tem que treinar muito”, derrete-se.

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