Rio - A um ano do início das Olimpíadas do Rio 2016, os atletas nacionais vivem duas contagens regressivas. A primeira é aquela que dá frio na barriga, que aciona a adrenalina dos grandes protagonistas. A segunda já mexe com os nervos deles de outra forma: com o ciclo olímpico que tem o Brasil como sede chegando ao fim, existe um temor de que o investimento sem precedentes no esporte possa minguar uma vez realizado o evento. Será que a fonte vai secar?
Um relatório de auditoria publicado pelo TCU (Tribunal de Contas da União) em julho aponta previsão de investimento de R$ 12,6 bilhões no esporte de rendimento, entre confederações olímpicas e paraolímpicas, entre 2010 e 2016. Entre valores já executados entre 2010 e 2014, foram R$ 7,6 bilhões.
Do montante investido nos últimos cinco anos, segundo valores discriminados ao TCU após consulta de diversos órgãos ligados à gestão do esporte brasileiro, apenas R$ 124 milhões vieram da iniciativa privada. Em compensação, o dinheiro público é de aproximadamente R$ 7,3 bilhões, entre programas do Ministério do Esporte, patrocínios de estatais, Lei Agnelo-Piva e Lei de Incentivo ao Esporte, entre outros.
O restante da conta – de cerca de R$ 340 milhões – se fecha com outras fontes de renda como o programa Solidariedade Olímpica, do COI (Comitê Olímpico Internacional), e recursos próprios, como a cessão de direitos de imagem e aluguel de imóveis. “O contexto atual evidencia que o Estado tornou-se o grande financiador do esporte de rendimento, enquanto o desporto educacional não vem recebendo o mesmo investimento”, diz o ministro João Augusto Ribeiro Nardes em seu relatório.
Esses cálculos estão todos na ponta do lápis federal. Em sua mensagem de congratulação à delegação que competiu nos Jogos Pan-Americanos de Toronto, a presidenta Dilma Rousseff destacou que “dos 141 pódios alcançados, 121 foram conquistados por atletas e equipes que recebem patrocínio do governo federal”.
Desta forma, a preocupação sobre a fonte secar, ou não, está intimamente vinculada ao governo, com os seus mais diversos tentáculos. A injeção de dinheiro seguirá nesse ritmo bilionário, em que pese a atual conjuntura econômica desafiadora, com risco de recessão?
O ministro do Esporte, George Hilton, já admite algumas alterações no planejamento da pasta, ainda pensando na “reta final” rumo às Olimpíadas. “Nós tivemos que contingenciar programas novos, justamente, para que o Bolsa Atleta não tivesse nenhum tipo de corte”, afirma. “Entendemos que é fundamental nessa reta final, que esses investimentos continuem para que os atletas não sofram nenhuma descontinuidade na preparação.”
Diversos canais, a mesma origem
Um dos canais usados pelo Governo para escoar seus investimentos foi, inclusive, o Ministério da Defesa, via Programa de Alto Rendimento das Forças Armadas, tem um aporte previsto de mais R$ 1,8 bilhão, para bancar 570 atletas. Medalhista de bronze pelo taekwondo no Pan de Toronto, a lutadora Raphaella Galacho, de Santos, é uma delas. Hoje ela tem a patente sargento, mas na categoria de “técnico temporário”. “A gente fica oito anos pelo Exército”, afirma ao iG a santista, que também conta com patrocínio particular e apoio completo de seu clube em São Caetano. “Começou pelos Jogos Mundiais militares no Rio de Janeiro (em 2011) e depois postergaram por causa dos Jogos Olímpicos. São incentivadores, foi uma coisa muito boa que aconteceu para a gente. Mas acho que, se não houvesse as Olimpíadas, o programa não estaria durando tanto.”
Das 26 confederações esportivas brasileiras envolvidas com as Olimpíadas, 16 contam pelo menos com o patrocínio de uma empresa estatal – sem contar os repasses das Leis Agnelo Piva e de Incentivo e para bolsistas. Para alguns dirigentes, de todo modo, a própria diversificação da origem dos recursos federais, serve como proteção para o caso de um corte nos investimentos. "Não nos preocupa. Nunca usamos recursos do Ministério do Esporte. Temos planejamento e promovemos um choque de gestão, conseguindo resultados com um orçamento mais enxuto. Além disso, temos um acordo direto com a Petrobras”, afirma ao iG Enrique Montero Dias, presidente da CBLP (Confederação Brasileira de Levantamento de Peso). A modalidade conquistou quatro medalhas em Toronto, sendo uma de ouro, uma de prata e duas de bronze.
“Eu me preocupo”, afirma Alaor Gaspar Azevedo, presidente da CBTM (Confederação Brasileira de Tênis de Mesa), cujos atletas conquistaram sete medalhas no Pan, sendo duas de ouro. A modalidade passa por um período de crescimento, mas as particularidades do esporte pedem um investimento mais duradouro, que vá muito além do Rio 2016. "O tempo de maturação de um mesa-tenista é 12 anos. Alguns dos nossos jogadores estão no meio do caminho, outros no início. Mas estamos preparados para sobreviver, embora com tudo mais apertado. Temos uma estrutura de otimização de recursos, e algumas fontes serão mantidas, como o Bolsa Atleta.”
Entre as confederações nacionais, futebol, judô, natação e rúgbi são as únicas modalidades que contam com múltiplos patrocinadores da iniciativa privada. A CBF (Confederação Brasileira de Futebol) exibe em seu site oficial nada menos que 17 empresas. Por razões óbvias, todavia, trata-se de um caso à parte. Por outro lado, o rúgbi, um esporte ainda incipiente no país, aparece como uma surpresa nesse quesito. Em seu site, são listados 15 patrocinadores e mais oito empresas divididas entre “fornecedoras” e “apoiadoras”.
O acúmulo de tantas marcas dá às medalhistas de bronze pan-americanas a confiança de que o projeto de sua confederação terá respaldo, independentemente do resultado no Rio. “Hoje somos decacampeãs sul-americanas e estamos entre as dez melhores do mundo. Para 2016 é bem difícil, mas, na próxima, em 2020, temos muito mais chances. Então se perder o patrocínio agora, não faria sentido. É a longo prazo o investimento. Todo mundo tem que ter essa visão”, diz ao iG a jogadora Angélica Gevaerd. “Se esse medo permanecer na gente é porque realmente não estão passando confiança. Mas por enquanto, eu como atleta da CBRu tenho muita confiança no apoio que estamos tendo”, completa a capitã Paula Ishibashi.
Rio 2016 até quando?
Para além do investimento público predominante, relatório publicado pelo TCU questiona o quão duradouro pode ser o efeito dessa contribuição. Existe o temor de que boa parte da verga direcionada ao esporte esteja mais direcionada ao curto prazo, pensando primordialmente na meta estabelecida para o Rio 2016: o Brasil ficar pela primeira vez entre os 10 melhores no quadro de medalhas.
“O fato de o país sediar os Jogos Olímpicos de 2016 e o maior aporte de recursos ao desporto, nos últimos anos, não resultou no fortalecimento de todo o sistema esportivo. Desse modo, caso a meta para os próximos Jogos Olímpicos seja atingida, observa-se o risco de que essa não seja uma posição sustentável para o período posterior”, relata João Augusto Ribeiro Nardes.
Da sua parte, o ministro George Hilton afirma que as obras promovidas durante a década – sem contar as instalações que abrigarão as provas olímpicas – terão efeito longevo. Dos mais de R$ 4 bilhões já investidos pelo Ministério do Esporte, R$ 3 bilhões estariam voltados para infraestrutura. “Estamos entregando centros de formação olímpica e paraolímpica, fizemos 12 centros de excelência em varias modalidades, além dos Centros de Iniciação ao Esporte, que serão mais de 260 e formarão uma rede nacional. Só em universidades, serão mais de 40 pistas de atletismo, todas certificadas.”
A manutenção desses aparelhos, todavia, demanda dinheiro. De qualquer forma, esses projetos todos terão outro tipo de contagem regressiva, sem tanta urgência, mas ainda mais relevante para que mais e mais atletas sintam, no futuro, aquela tensão agradável, a que precede uma grande competição.
* Reportagem de Giancarlo Giampietro para o iG