Por edsel.britto

Rio - Os passos são curtos, não lembram nem de longe os do ponta-direita veloz e talentoso que vestiu as camisas de Bangu, Botafogo, Atlético-MG e encantou o futebol brasileiro nos anos 1980. A voz é quase um sussurro, bem sofrida, como o olhar, perdido. O corpo, esquálido, ainda padece depois de uma batalha contra uma traiçoeira tuberculose na pleura que o levou a ficar internado por nove dias no Hospital Albert Schweitzer. Mas, apesar da doença, Marinho não se entrega e promete dar o drible mais difícil de sua vida. Só que precisa de ajuda.

Marinho posa com o seu time de garotos%2C o M-7%2C em RealengoBruno de Lima / Agência O Dia

“Meu pai não precisa de dinheiro, casa ou comida. O que ele necessita é ficar internado em um bom hospital para fortalecer os músculos e se recuperar completamente. Só vou sossegar quando arrumar um bom tratamento para ele. Eu não vou ver meu pai definhar desse jeito sem fazer nada”, desabafa, emocionado, e sem conseguir segurar as lágrimas, o filho de Marinho, o jogador de futebol Steve Wonder.

Além da grave enfermidade, o ex-jogador também sofre com o acúmulo de álcool nos rins e no fígado. O alcoolismo afetou seus neurônios e provoca lapsos de memória. O uso diário de seis remédios diferentes também o deixa um pouco dopado. Apesar das mazelas, Marinho encontrou forças para realizar um sonho antigo. Graças ao apoio financeiro de um amigo do peito, Ari da Cruz, proprietário da Pensão Barriga Cheia, em Bangu, e do filho, ele montou seu próprio time de futebol.

O filho Steve Wonder é só carinho com o pai%2C doenteBruno de Lima / Agência O Dia

“É o M-7. Não temos patrocinador, dou meus palpites sobre os garotos que são bons de bola e têm futuro. Isso alivia a minha cabeça, meu coração, pois estou triste. Meu lugar é dentro de campo. Não consigo ficar longe do futebol”, diz Marinho, que em campo sempre vestiu a 7.

Na quinta-feira passada, na estreia do time na Liga Copa Rio Juniores, contra o Nabor e Andrade, no campo do Realengo, Marinho fez o que mais gosta. Almoçou com os garotos antes do jogo, repassou dicas preciosas sobre futebol e deu o pontapé inicial na partida, sob muitos aplausos — um raríssimo momento de alegria em tempos tão sofridos.

Marinho almoça com seus atletas antes dos jogosBruno de Lima / Agência O Dia

É no modesto campinho de Realengo que o ex-jogador dá vida a seu projeto de revelar novos talentos. O aluguel do campo é pago pelo amigo Ari, que banca também a alimentação de cerca de 40 garotos. O filho, que está desempregado, abriu mão de trabalhar por causa da frágil saúde do pai. É Steve Wonder, com quem Marinho mora hoje em dia, quem lhe dá os remédios, o tira de casa nos dias mais tristes e ainda o ajuda a coordenar o M-7.

“O time não deixa ele acuado nos cantos. É uma coisa para ele fazer, que ele gosta. Não foi no intuito de ganhar dinheiro. É só para ocupar a mente dele”, explicou Steve Wonder.

Ex-jogador deu o pontapé inicial%2C na estreia do M-7 em um torneio amador em RealengoBruno de Lima / Agência O Dia

VOLTA POR CIMA

O drama atual de Marinho é mais um sofrido capítulo em sua trágica jornada de vida. Da privação extrema na infância, quando comeu o pão que o diabo amassou em um orfanato na cidade mineira de Pirapora, aos dias de glória no futebol, o camisa 7 chegou a ter cinco carros de luxo na garagem. Mas, no auge da carreira, em 1988, perdeu o filho Marlon, de apenas 1 ano e 7 meses, afogado na piscina de sua mansão. A perda brutal do herdeiro abriu uma ferida que sangra até hoje.

Para piorar, após a carreira, o dinheiro acabou e os amigos sumiram. Há um ano, Marinho chegou a morar de favor em uma clínica abandonada, mas deu a volta por cima e conseguiu um lar. Se falta saúde, sobra esperança de que o ex-jogador dê o drible mais importante da sua vida. Torcida por ele não faltará.


Você pode gostar