Por pedro.logato
Rio - Das brincadeiras com os primos na infância surgiu a paixão pelo futebol. Ao contrário de muitas meninas, Emily Lima teve o apoio da família para seguir nos gramados, onde atuou no Brasil e no exterior, até se aposentar aos 29 anos, devido a lesões. Como técnica, dirigiu clubes e a equipe brasileira sub-17 e se tornou há pouco a primeira mulher a comandar a Seleção feminina. Nesta entrevista, ela fala sobre os sonhos de ser campeã mundial e olímpica, de ver campeonatos competitivos e de integrar a base com o time principal.
ODIA: Como o futebol entrou na sua vida?

Emily Lima: Desde pequena, minha família me influenciou. Tenho muitos primos e,como a brincadeira principal era o futebol, comecei a jogar. Minhas primas entravam, mas cansavam. Eu continuava. Tinha sete anos, estava sempre no sítio brincando. Aos 13, fui para o Saad. Meu pai e meu irmão me incentivavam. O meu pai assistia aos jogos, onde quer que fossem. Minha mãe tinha medo que me machucasse.

Emily Lima vai dirigir a seleção brasileiraKin Saito / CBF / Divulgação

ODIA: Você se destacava nas brincadeiras?

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Emily Lima: Já tinha o dom, o talento. Não fui uma atleta espetacular, mas sabia jogar. Quando pequena, acredito que melhor. Depois tive muitos problemas no joelho e isso atrapalhou a minha carreira. Chegou um ponto em que falei: ‘Não dá mais’. Foi precoce, sim. Hoje ainda queria estar jogando, com 36 anos.
ODIA: Imaginava ser técnica?
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Emily Lima: Nunca passou na minha cabeça ser técnica. A minha ideia foi estar na parte da gestão e dar o apoio que as meninas merecem e que muitas vezes não tive por dificuldades da modalidade. O meu irmão foi o cara que fez com que eu virasse treinadora. Se não tivesse ele, estaria talvez ainda na gestão. Mas ele dizia que eu tinha perfil e eu comecei a estudar mais.
ODIA: Você pensou em desistir do futebol feminino?
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Emily Lima: Em nenhum momento eu pensei em desistir. Mas é muito sacrificante, sofrido. Nunca mesmo na minha cabeça passou desistir disso aqui porque isso sempre foi a minha vida. Desde os sete anos falo de futebol e não parei de falar de futebol. É a vida inteira falando de futebol.

ODIA: O que foi mais difícil?

Emily Lima: A própria dificuldade da estrutura que o clube deixava de dar, não porque não queria, mas porque não tinha mesmo o que oferecer. E muita gente falava: ‘Você não precisa disso’. O meu pai deu uma vida para a gente nada muito sofisticada, mas a gente não passava necessidade. E muitas vezes a gente passava necessidade em alguns clubes, comia todo dia a mesma comida. Mas eu queria estar ali. Agradeço muito porque isso me preparou para a vida. O futebol feminino me fez ser uma pessoa grande. Sei lidar com o Juventus, uma equipe modesta em que trabalhei, e com a CBF, onde vou ter tudo. Então, não vou me deslumbrar com isso.

Emily Lima foi jogadora de clubes como São Paulo e SantosDivulgação CBF

ODIA: Os amigos te aconselhavam a desistir?

Emily Lima: A minha família, os meus amigos e quem esteve sempre ao meu redor sabiam que alguma coisa iria acontecer entre a Emily e o futebol. Recebo mensagens de familiares, primos, amigos: ‘Eu sabia que isso iria acontecer’. Tenho algumas amigas que mandam mensagens: ‘Caramba, Emily, a gente brincava no corredor da nossa casa de futebol e olha onde você está’. Só tenho que agradecer tudo o que futebol feminino me deu. Consegui comprar uma casa, tenho meu carro, minha vida, nada sofisticado, tudo básico, mas o futebol feminino me deu.
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ODIA: Estar na Seleção principal é um sonho?
Emily Lima: É outra realidade. Fiquei muito contente com o convite da sub-17 e depois da sub-15. Foi muito bacana, foi o ápice da minha carreira. Hoje vejo que a Seleção principal é muito maior do que ser treinadora da base, que também chamou muita atenção de todo mundo, mas não igual ao que estou vivendo hoje. Estou flutuando com tudo o que está acontecendo comigo hoje.
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ODIA: O que mudou?

Emily Lima: Tudo. A minha vida mudou. Hoje estaria na minha casa, normal. Mas já fui numa entrevista, depois em outra. O que me chamou muita atenção foi a coletiva. Sentar ali onde só os homens estiveram, onde o Tite esteve. E quando terminou a coletiva tinha milhares de pessoas e câmeras. É um mundo a que não estou acostumada.

ODIA: O que você quer ser na história da Seleção?

Emily Lima: Não digo o que quero ser para a Seleção. Vou frisar a modalidade, o que nós — eu, a comissão e as atletas — precisamos fazer. A gente precisa mudar não só os resultados da Seleção principal, mas a modalidade no país. A gente precisa ter campeonatos estaduais e nacionais bons. É claro que a gente tem as nossas metas, ser campeã olímpica, ser campeã mundial. É inevitável. Preciso vir para cá para fazer algo diferente. Mas o que mais me importa hoje é a modalidade no nosso país, que eu possa, como técnica da Seleção, ir lá em Minas e assistir a um campeonato mineiro bom. Ir em São Paulo e vir aqui no Rio e assistir a campeonatos bons. Daqui a 10 anos, quando não estiver mais aqui, poder assistir. Esse é um legado que espero que nós possamos deixar para futuras treinadoras que vão vir.

Emily Lima sempre foi apoiada pela famíliaDivulgação CBF

ODIA: O título mundial ou olímpico é perseguido por craques como Marta e Cristiane. Como vê essa cobrança por conquistas?

Emily Lima: Vejo que ainda tem uma esperança ali nelas que alguma coisa pode acontecer diferente. Quero que elas estejam presentes nisso porque merecem. Uma que sinto muito é a Formiga, de não ter conquistado isso, com tantos anos na seleção brasileira. Mas ainda acredito que ela possa estar e contribuir muito para a Seleção. A gente não pode desistir enquanto tiver aquela luz ali e tentar fazer uma coisa enorme. Acredito que a gente possa ir cavando e chegar lá no fundo do túnel e elas conquistarem o que tanto sonham.
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ODIA: Como preparar a cabeça das mais novas para ocupar o lugar de atletas que fizeram tanta história?
Emily Lima: Esse é um trabalho que vou buscar também, de integrar as seleções, tanto a 17, a 20 e a principal para que elas possam estar mais próximas. Aproximar mais não só no momento da transição, mas antes. Fazer as convocações no mesmo lugar, fazer um jogo-treino, trazê-las para quando fizer a transição elas já estiverem mais acostumadas. Tenho várias ideias na minha cabeça.
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ODIA: Você já revelou que quer trabalhar com uma coach esportiva. Qual a importância dessa profissional?
Emily Lima: A gente quer trazer uma coach esportiva para ver se a gente consegue mudar o detalhe que falta, às vezes. Como aconteceu na Olimpíada. A gente conseguiria, sim, ganhar a medalha de bronze depois da derrota na disputa da classificação para a final. Acho que aí entrava ela. Mas é um trabalho a longo prazo também.
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ODIA: Como você se define como treinadora?
Emily Lima: Sou muito séria, gosto de trabalhar. As cobranças são naturais. Como me cobram de cima, eu vou cobrá-las como treinadora. Sou séria de natureza, muito quietona, pouco brinco. Mas durona, não.
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Colaborou Sarah Borborema